Exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência

A Esquadra Brasileira nasceu, em 10 de novembro de 1822, ano da Independência do Brasil. Para celebrar a data, a equipe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, escreveu o artigo Exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência sobre as manobras realizadas pela esquadra em 1922, ano em que foram comemorados os 100 anos da independência do país.

 

 

Acessando o link para as fotografias dos exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Segundo o Vice-Almirante José Carlos Mathias, Diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha,“os bicentenários da Independência e da Esquadra são faces de uma mesma moeda; são histórias que se entrecruzam no mar e nele continuam e continuarão sendo escritas. Portanto, celebrar os 200 anos da Esquadra, é memorar e homenagear a rica história do Brasil”.

 

 

Exercícios da Esquadra Brasileira no Centenário da Independência

 Equipe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

 

 

As manobras da Esquadra Brasileira de janeiro e fevereiro de 1922 ganharam um aparato especial naquele ano em que se comemorou o centenário da Independência do Brasil. Contaram, no seu encerramento, em 21 de fevereiro, com a presença do Presidente da República Epitácio Pessoa, que foi recebido, a bordo do navio capitania, o Encouraçado Minas Gerais, pelo Almirante Pedro Max Frontin, o então chefe do Estado-Maior da Armada, e pelo comandante do navio, o Capitão de Mar e Guerra Damião Pinto da Silva, reunindo-se aos demais convidados como o Ministro da Marinha Dr. Veiga Miranda e diversos representantes dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

 

 

O início das manobras deu-se na altura das ilhas Maricás, com a participação do Minas Gerais, sendo acompanhado pelos Encouraçados São Paulo e Floriano e pelo Contratorpedeiro Pará, seguindo em coluna reta cruzando a barra da Baía de Guanabara. Aproximadamente às 13 horas do dia 21 de fevereiro de 1922, foram iniciados os exercícios de tiro em alvo flutuante com os disparos com os maiores canhões das torres dos encouraçados. Aos convidados a bordo foram distribuídos cópias do programa de exercícios.

 

 

 

 

De acordo com jornal O Paiz, de 22 de fevereiro de 1922, “foi grande a emoção que se apoderou dos convidados no momento em que se anunciou que o Minas ia romper o fogo com as torres. Todos colocaram algodões aos ouvidos e ficaram atentos para o alvo, que se achava a mais de 12 kilometros de distância.[1]

 

 

Os disparos dos canhões de calibre 120 mm, feitos pelas baterias secundárias (de menor poder de fogo), dos Encouraçados São Paulo e Minas Gerais, embora não colocando a pique o alvo flutuante, foram considerados positivos como prática de enquadramento do alvo a grande distância, pois tais exercícios não eram realizados há muito tempo por falta de recursos.

Curiosamente, o alvo utilizado foi o casco do desativado Paquete Alagoas, navio de transporte de passageiros da Companhia Brasileira de Navegação a Vapor, que foi empregado para transportar o imperador deposto d. Pedro II e sua família para o exílio na Europa em 1889.

 

 

Posteriormente, incorporado à Marinha do Brasil, serviu por um período de quartel flutuante para a Escola de Aprendizes -Marinheiros do Rio de Janeiro até ser alocado para seu destino final como alvo para os exercícios de tiro da Esquadra. Mesmo não atingido pelos tiros dos encouraçados, o casco afundou no fim dos exercícios quando rebocado pelo Rebocador Laurindo Pitta.

 

 

Fato não menos importante foi a presença do Navio-Escola Benjamim Constant no local onde se realizaram os exercícios de tiro, a cujo bordo estavam os alunos da Escola Naval,  aspirantes a guarda-marinha, em viagem de treinamento. A tripulação do Benjamim Constant também honrou a grandeza do evento, prestando salvas e postos de continência ao pavilhão presidencial içado no Minas Gerais.

 

 

Os exercícios da Esquadra realizados eram muito esperados pelo Estado-Maior da Armada, contribuindo com o treinamento das tripulações em evoluções táticas e instrução de tiro com os diversos canhões que equipavam os navios. Durante praticamente um mês no início de 1922, tais exercícios envolveram diversos navios das duas divisões navais que compunham a Esquadra nacional, contribuindo para o treinamento de cerca de quatro mil militares da Marinha do Brasil.

 

 

A presença do presidente da República demonstrou a importância do evento, sendo registrada por diversos jornais da época a robustez do poderio bélico da Esquadra e o aprestamento da marujada.

 

 

 

[1] Jornal O Paiz, 22 de fevereiro de 1922, pág. 3-4.

 

Um pouco da história do surgimento da primeira Esquadra brasileira

 

 

Como já mencionado, em 10 de novembro de 1822, há exatos 200 anos, nascia a primeira Esquadra Brasileira, quando a bandeira nacional foi, pela primeira vez, içada em um navio de guerra brasileiro, a Nau Martim de Freitas, posteriormente, rebatizada de Nau Pedro I, o primeiro navio Capitânia da Esquadra, criada para combater as forças navais portuguesas que se opunham à Independência do Brasil.

O primeiro ministro da Marinha, brasileiro nato, nomeado após a Proclamação da Independência do Brasil foi o então Capitão de Mar e Guerra Luís da Cunha Moreira, Visconde de Cabo Frio (1777 – 1865), que substituiu o almirante Manoel Antônio Farinha ( 17? – 1842), em 22 de outubro de 1822 (Gazeta do Rio, 7 de novembro de 1822, primeira coluna).

Para o estabelecimento da Marinha Imperial os navios portugueses deixados nos portos foram incorporados a ela, dentre eles as fragatas Real CarolinaSucesso e União, rebatizadas ParaguaçuNiterói e Piranga, respectivamente. As corvetas Liberal e Maria da Glória também foram incorporadas assim como o Brigue Reino Unido, renomeado como Cacique. O governo adquiriu os brigues Maipu e Nightingale, rebatizados como Caboclo e Guarani. Formava-se, então, a primeira Esquadra Brasileira.

De acordo com o Chefe do Departamento de História da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Capitão de Fragata (T) Carlos André Lopes da Silva, era pequeno número de militares de origem brasileira na ocasião e havia a necessidade de aumentar o efetivo militar. Houve então uma negociação: “Dentre os cerca de 160 oficiais da Marinha portuguesa servindo no Brasil, 94 declararam lealdade a Dom Pedro. No entanto, o que pode parecer uma extensa adesão, na prática, não forneceu oficiais suficientes para tripular os navios da nova Esquadra. Com isso, a contratação de europeus, sobretudo britânicos, foi a solução. Foram mais de 450 estrangeiros contratados, cerca de 30 deles exercendo a função de oficiais, inclusive o então Comandante em Chefe da incipiente Esquadra brasileira, o Almirante Thomas Cochrane”.

 

 

Andrea C.T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Agência Marinha de Notícias

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Portal Base Industrial de Defesa e Segurança

Portal Defesa.net

Portal Presidência da República

Portal Poder Naval

Portal Superior Tribunal Militar

VIDIGAL, Amorim Ferreira. A evolução da Marinha Brasileira. Revista da Escola Superior de Guerra, 1997.

O Cruzador Almirante Tamandaré

A Brasiliana Fotográfica selecionou registros do Cruzador Almirante Tamandaré que pertencem ao acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, um dos integrantes do portal. As fotografias foram produzidas por Marc Ferrez (1843-1923), agraciado por d.Pedro II como Fotógrafo da Marinha Imperial. Com um artigo do pesquisador da DPHDM, o Capitão de Corveta (T) Carlos André Lopes da Silva, os leitores poderão conhecer a história do navio e admirar suas imagens no dia de seu lançamento, em 20 de março de 1890 (O Paiz, 21 de março de 1890, primeira coluna).

 

O Cruzador Almirante Tamandaré

 Carlos André Lopes da Silva*
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Marc Ferrez. Lançamento do cruzador Almirante Tamandaré. O Cruzador na carreira antes do lançamento ao mar, 20 de março de 1890. Rio de Janeiro, RJ / Acervo DPHDM

 

Em 20 de março de 1890, foi lançado ao mar da carreira nº 1 do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro o Cruzador Almirante Tamandaré. Era o segundo navio da Marinha do Brasil que levava o nome do Almirante Joaquim Marques Lisboa, o Marquês de Tamandaré. O primeiro tinha sido um couraçado que lutou por toda a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), navio também construído no Arsenal, o estabelecimento mantido pela Marinha para a construção e reparo dos seus navios de guerra. Mesmo durante o Império, não era comum que navios da Marinha fossem batizados em deferência a personalidades vivas, ainda mais quando não pertenciam à Família Real. Já no início da República, o Almirante Tamandaré, no alto dos seus 82 anos e poucos meses, depois de deixar o serviço ativo da Marinha, era pela segunda vez homenageado do modo mais significativo para um marinheiro, tendo seu nome na popa de um navio de guerra.

 

almirante

Cartão-postal com desenho do rosto do Almirante Tamandaré, Joaquim Marques Lisboa (Rio Grande, RS, 13/12/1807 – Rio de Janeiro, 20/03/1897) / Coleção Jose Ramos Tinhorão/ Acervo IMS

 

 

Acessando o link para as fotografias do cruzador disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

O Cruzador Almirante Tamandaré, do mesmo modo que seu antecessor, foi projetado e construído por brasileiros. Seu projetista foi o Engenheiro Naval João Cândido Brasil e sua construção teve início em 1884, já como o maior navio até então construído no Brasil, com mais de 4.500 toneladas de deslocamento e 96 metros de comprimento. Mesmo hoje, continua sendo o maior navio de guerra, considerando seu deslocamento, construído no País. Equipado com dez canhões com calibre de 150 milímetros em sua bateria principal, além de peças de artilharia menores, metralhadoras e torpedos, foi concebido como um navio bastante poderoso.

Quando o Almirante Tamandaré foi lançado ao mar, em 1890, ainda era um navio misto, isto é, contava com mastros e velas para os cruzeiros transoceânicos, visando à economia de combustível, o carvão, e à preservação de suas duas máquinas a vapor inglesas de 6.500 cavalos-vapor, levando o navio a desenvolver velocidades de até 17 nós (milhas por hora). O casco de estrutura e revestimento de aço foi recoberto, para maior proteção, com placas de 175 milímetros de peroba, um arranjo de blindagem típico da época. A rápida evolução dos projetos de navios de guerra levou ao abandono da mastreação e das velas logo após o seu lançamento ao mar, sendo instalados dois mastros de combate que possibilitavam melhor pontaria das baterias principais. Seguiram-se modificações no armamento e na ventilação forçada para seus compartimentos internos.

Ainda antes de finalizada a construção, o navio foi tomado pela parcela da Marinha que se revoltou contra o Governo do Marechal Floriano Peixoto no episódio conhecido como Revolta da Armada (1893-1894). Reparados os danos sofridos no embate entre revoltosos e florianistas na Baía de Guanabara, o Almirante Tamandaré só foi incorporado à Esquadra brasileira em 1897, já numa configuração bem diferente daquela idealizada por seu projetista, o então Capitão-Tenente (EN) Brasil mais de uma década atrás.

Devido às suas grandes dimensões foi utilizado como quartel para os novos marinheiros e, posteriormente, como sede das Escolas Profissionais, a primeira experiência da Marinha do Brasil na reunião de diversos cursos de especialização para oficiais e praças num mesmo local. Em 1906, passaram a funcionar no Cruzador Almirante Tamandaré a Escola de Artilharia, direcionada para oficiais e praças; a Escola de Foguistas e a Escola de Timoneiros, que formava, além destes, sondadores, sinaleiros e telegrafistas.Brasil

Em 27 de dezembro de 1915, a Administração Naval determinou sua Mostra de Desarmamento e consequente baixa do serviço ativo.

 

*  Carlos André Lopes da Silva é pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

 

Pequena cronologia do Cruzador Almirante Tamandaré

 Andrea C. T. Wanderley**

1884 – Batimento da quilha do futuro Cruzador Almirante Tamandaré.

1886 – O cruzador, em construção no Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, segundo os planos do CT (EN) João Cândido Brasil, foi batizado com o nome de Tamandaré (O Paiz, 3 de julho de 1886, sexta coluna). Foi o segundo navio batizado com esse nome na Marinha do Brasil em homenagem ao Almirante Joaquim Marques Lisboa (1807 – 1897), o Marquês de Tamandaré, Patrono da Marinha,

1890 - O Almirante Tamandaré pediu ao ministro da Marinha, Eduardo Wandenkolk (1838 – 1902), segundo o jornal O Paiz num requinte de modéstia, que o cruzador fosse batizado com o nome de Almirante Cochrane (O Paiz, 13 de março de 1890, segunda coluna).

O Cruzador Tamandaré foi lançado ao mar em 20 de março com a presença do chefe do governo provisório do Brasil, Deodoro da Fonseca (1827 – 1892), além de ministros e outras autoridades. A construção do cruzador custou 3.700:000$000 e seu primeiro comandante foi o Capitão-de-Mar-e-Guerra Frederico Guilherme Lorena (O Paiz, 21 de março de 1890, primeira coluna).

1891 – O Capitão-de-Fragata João Francisco Velho Junior foi designado para comandar provisoriamente o Cruzador Almirante Tamandaré (O Paiz, 26 de novembro de 1891, sexta coluna).

1892 – O ministro da Marinha mandou ativar as obras do cruzador Almirante Tamandaré a fim de que esse vaso de guerra possa estar nos Estados Unidos na abertura da exposição de Chicago (O Paiz, 15 de junho de 1892, sexta coluna).

1893 - Polêmica em torno da substituição nos mastros do Almirante Tamandaré (O Paiz, 10 de fevereiro de 1893, penúltima coluna, O Paiz, 13 de fevereiro, terceira coluna, O Paiz, 14 de fevereiro, segunda coluna, O Paiz, 19 de fevereiro de 1893, primeira coluna).

Ficou montada toda a artilharia grossa das baterias cobertas do cruzador Almirante Tamandaré achando-se já, de há muito, montados os seus dois canhões de caça e retirada (O Paiz, 24 de agosto de 1893, quarta coluna).

O cruzador içou suas duas chaminés, quer isso dizer que já tem máquina para se mover (O Paiz, 17 de novembro de 1893,quinta coluna).

O Cruzador Almirante Tamandaré foi usado pelos revoltosos da Revolta da Armada (O Paiz, 18 de novembro de 1893, quarta coluna, O Paiz, 23 de novembro de 1893, quinta coluna, O Paiz, 5 de dezembro de 1893, quinta coluna, O Paiz, 6 de dezembro de 1893, terceira coluna).

1894 – O Almirante Tamandaré foi ocupado pelo governo, que nomeou o Capitão-de-Mar-e- Guerra Theotônio Coelho Cerqueira Carvalho para comandá-lo (O Paiz, 14 de março de 1894, segunda coluna).

1897 – O cruzador foi reformado, tendo sua armação em Galera, substituída por dois mastros modernos de combate. A ventilação foi mudada, recebendo no castelo novo ventilador metálico. Foram também retirados os canhões em bateria. Permaneceram, porém, muitas deficiências no navio, que passou a vida fundeado no porto do Rio de Janeiro, depois de realizar duas ou três comissões.

1901 / 1902 – Serviu de quartel de Guardas-Marinha.

1906/1914 – Serviu de sede das Escolas Profissionais, dentre elas, a Escola de Timoneiros.

1913 - Entre 21 de julho e 14 de agosto, ficou atracado no Dique Guanabara da Ilha das Cobras, para a substituição de 145 folhas de latão do fundo.

Por determinação do Aviso n.º 2612 de 16 de agosto, serviu provisoriamente de quartel da Escola de Grumetes, antes instalada no Cruzador Andrada. Foram embarcados 115 novos Grumetes provenientes da EAM do Rio de Janeiro. Nessa época o Tamandaré também era chamado de Cruzador-Escola.

1914 – Continuava servindo como Quartel da Escola de Grumetes, fundeado em frente a Ilha das Enxadas, na Baía da Guanabara. Não desempenhou comissão alguma e necessitava de reparos.

1915 - Em 27 de dezembro, deu baixa do serviço pelo Aviso nº 4525.

 

**Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha 

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Poder Naval

O Navio-Escola Benjamin Constant

A Brasiliana Fotográfica selecionou registros do Navio-Escola Benjamin Constant que pertencem ao acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, um dos integrantes do portal. As fotografias foram produzidas por H & J Tourte Éditeurs, em 1906. Com um artigo do pesquisador da DPHDM, o Capitão de Corveta (T) Carlos André Lopes da Silva, os leitores poderão conhecer a história do navio.

 

 

Navio-Escola Benjamin Constant

 Carlos André Lopes da Silva*

O recrutamento de pessoal para as marinhas de guerra sempre foi mais difícil do que para os exércitos. Enquanto o treinamento básico para as tropas de terra, durante muito tempo, se limitou ao uso das armas individuais e às marchas coletivas, o emprego do navio como plataforma de armas obrigava não apenas a instrução com armamento, mas o aprendizado de uma variada gama de tarefas especializadas necessárias às viagens oceânicas, passando até pela adaptação fisiológica do homem ao jogo da embarcação no alto-mar.

No tempo das marinhas a vela, a solução difundida entre as marinhas de guerra era o recrutamento do pessoal que já labutava no mar, marinheiros dos navios mercantes e pescadores, que adestravam, durante as próprias viagens, os novatos que completavam as tripulações. Em uma época que a guerra no mar era algo pouco complexo, onde a vitória vinha pela abordagem, combates corpo-a-corpo nos conveses de navios inimigos emparelhados, o aprendizado se dava pela prática. Mesmo na formação dos oficiais, os homens que comandavam as equipes de um navio de guerra, o aprendizado vinha essencialmente pela convivência com os oficiais mais experientes durantes as travessias oceânicas.

Acessando o link para as fotografias do cruzador Benjamin Constant disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

O gradual aperfeiçoamento da guerra no mar e a aplicação cada vez maior de ciências como a matemática na navegação, induziu diversas marinhas a criarem escolas para formação profissional de oficiais e, algum tempo depois, de marinheiros. Contudo, o emprego do navio como ferramenta   para a formação profissional nunca foi abandonado.

Durante o século XIX, diversos navios de guerra foram eventualmente utilizados para instrução de futuros oficiais, os guardas-marinha, e marinheiros. Desde pequenos navios que realizavam cruzeiros de poucos dias no litoral brasileiro, como o Patacho Aprendiz-Marinheiro, até grandes veleiros equipados com máquinas a vapor que chegaram a realizar viagens de circunavegação instruindo guardas-marinha, como a Corveta Vital de Oliveira, em 1879, e o Cruzador Almirante Barroso, em 1888. O primeiro pensado desde o início como um navio-escola foi o Cruzador Benjamin Constant, um navio equipado como ferramenta de ensino prático para realizar longas viagens oceânicas com os guardas-marinha que terminavam o aprendizado teórico na Escola Naval.

 

 

 

Construído pelo estaleiro francês Société Nouvelle des Forges et Chantiers de la Méditerranée entre 1891 e 1894, o navio foi batizado em homenagem a Benjamin Constant Botelho de Magalhães, militar do Exército Brasileiro e professor da Escola Militar da Praia Vermelha, um dos principais líderes do movimento republicano de 1889. Ainda inacabado, o Benjamin Constant recebeu em seus alojamentos a tripulação do Cruzador Almirante Barroso, naufragado no Mar Vermelho, em 1893, no meio de uma viagem de instrução com guardas-marinha. No ano seguinte, quando foi entregue ao governo brasileiro, recebeu uma tripulação heterogênea, em grande parte formada pelo Exército, pois parte dos militares da Marinha tinham se sublevado contra Floriano Peixoto no evento que ficou demarcado na história como a Revolta da Armada.

Esse grande veleiro de três mastros, com 74 metros de comprimento e quase três mil toneladas de deslocamento, conduziu inúmeras turmas de guardas-marinha e aprendizes-marinheiros em cruzeiros de instrução pelo litoral brasileiro e por águas internacionais. Em 1908, realizou a terceira viagem de circunavegação de um navio da Marinha do Brasil, durante a qual  salvou um grupo de 20 náufragos do navio japonês Toyoshima Maru que tinham se asilado na desabitada Ilha Wake, no Pacífico Sul. Dez anos antes, durante outra viagem de instrução com guardas-marinha, foi o Benjamin Constant que formalizou a incorporação ao território brasileiro da Ilha da Trindade, com a instalação de um marco de posse naquele que é o ponto insular principal de um arquipélago, então disputado com a Grã-Bretanha, situado à 1.200 quilômetros do nosso litoral. Já na viagem de instrução de guardas-marinha realizada em 1917, que transcorreu logo após a entrada do Brasil na Primeira Guerra, a sua tripulação apresou o navio mercante alemão Blucher no porto de Recife.

 

 

 

O imponente navio recebeu de suas tripulações o afetuoso apelido de Garça Branca. Além de todos os compartimentos e equipamentos próprios a um navio de guerra do período, contava com uma biblioteca, alojamentos e banheiros reservados para os alunos e instrutores e uma sala de estudos. Desgastado pelo intenso emprego nas viagens de instrução e tornado obsoleto pelo rápido progresso tecnológico que atingiu os navios de guerra entre o início do século XX e o fim da Primeira Guerra Mundial, foi “aposentado” em 1926.

 

*  Carlos André Lopes da Silva é pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

Viagens do Encouraçado São Paulo conduzindo os reis belgas em visita oficial ao Brasil, em 1920

 Carlos André Lopes da Silva*

Antes da difusão do avião, o principal meio de contato entre povos separados por grandes distâncias, os navios dominavam o transporte de passageiros, como ainda hoje prevalecem no transporte de carga. Neste contexto, era comum que chefes de estado e outros dignitários fossem conduzidos em viagens transoceânicas por navios de guerra como uma forma de demonstrar o poderio daquela nação mesmo para países com os quais mantinham boas relações.

 

Acessando o link para as fotografias do encouraçado São Paulo e de outros aspectos da visita dos reis belgas ao Brasil, em 1920, do acervo da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Após a Primeira Guerra Mundial e durante um período marcado pela agitação política e crise econômica também no Brasil, o recém-eleito presidente Epitácio Pessoa pretendia elevar a precária posição do país no contexto internacional, percepção consolidada quando chefiou a delegação nacional na Conferência de Paz, em Versalhes. Foi lá que manteve contato com o soberano belga, Alberto I, apelidado de “rei soldado” por liderar, em campo de batalha, o exército de seu país contra a invasão alemã. O convite para uma visita oficial foi feito e logo aceito pelo monarca europeu, não sem despertar críticas dos que por aqui viam incoerência em uma ainda nova República se utilizar de um monarca para ampliar sua visibilidade internacional.

 

 

Para fornecer um transporte adequado à posição do rei belga e sua consorte, Rainha Elisabeth, o governo primeiro pretendeu utilizar um navio de transporte de passageiros de uma das companhias de navegação nacionais, claro, escoltado por um navio de guerra da Marinha do Brasil. Porém, a excelente impressão que teve o presidente da República quando inspecionou as acomodações do navio de escolta, o Encouraçado São Paulo, fez com que a missão de transporte do casal real recaísse naquele navio que acabara de retornar de uma modernização em estaleiro estadunidense. O São Paulo era um dos dois encouraçados adquiridos junto à Inglaterra no final da primeira década daquele século junto com toda uma nova Esquadra. A Marinha do Brasil tornou-se uma das primeiras operadoras mundiais daquele tipo de navio, os encouraçados denominados tipo Dreadnought, elevando o Brasil a uma potência naval no contexto sul-americano. Embora o São Paulo, como seu “irmão”, o Minas Gerais, já estivesse algo desatualizado perante o rápido progresso dos navios de guerra durante o conflito de 1914 a 1918 – ainda abastecia-se com carvão quando o uso do óleo combustível já se encontrava disseminado –, a belonave de 150 metros de comprimento, mais de 20 mil toneladas de deslocamento e tripulada por mil homens ainda era um poderoso símbolo para uma nação que pretendia participação mais ativa no concerto internacional. Àquela missão somariam-se outras duas, quando da viagem de retorno dos monarcas à Europa, o navio faria visitas protocolares aos aliados europeus no conflito recém-encerrado – sim, aliados conquistados com a declaração de guerra do Brasil à Tríplice Aliança em 1917, que redundou no envio de uma flotilha da Marinha do Brasil para atuar em operações antissubmarino no último ano da Guerra – e, na última parada europeia, em Lisboa, novamente serviria a monarcas, repatriando os restos mortais do último Imperador brasileiro e sua esposa, Pedro II e Teresa Cristina.

As adaptações nas acomodações para transportar o casal real e sua comitiva numa viagem transatlântica foram realizadas pelo Estaleiro de Henrique Lage e, em 27 de julho de 1920, o São Paulo partiu com destino a Zeebrugge, porto comercial no Mar do Norte, de intenso simbolismo naquela Europa recém-pacificada, por ter sido local de intensas lutas na última fase do conflito. A utilização desse porto para o embarque dos reis belgas foi desaconselhada por aquele governo e por autoridades navais britânicas, ambas envolvidas nos trabalhos de desobstrução do canal navegável, bloqueado por vários cascos propositalmente afundados pela Marinha britânica para inviabilizar o uso da base naval ali montada pelos alemães. Mesmo assim, a tripulação do São Paulo, em manobra precisa e arriscada, conseguiu realizar a atracação em 28 de agosto. Quatro dias depois, o casal real embarcou e foi recebido por uma salva de 21 tiros. No regresso ao Brasil, deram-se os festejos do 7 de setembro e a tradicional cerimônia naval da passagem do Equador, porém houve um momento de intensa tristeza. Durante a travessia, faleceu, vítima de um acidente, o grumete Francisco Soares Lima; a cerimônia fúnebre foi realizada no mar pelo capelão que acompanhava o casal real. Testemunhas afirmaram que os marinheiros ficaram tocados com a consternação da Rainha Elisabeth, que se ajoelhou ao lado do caixão para orar pelo grumete. Em 19 de setembro, o encouraçado já se aproximava do Rio de Janeiro e recebeu a escolta de outros navios da Marinha do Brasil, hidroaviões da Aviação Naval brasileira sobrevoavam a formação e inúmeros mercantes saíram porto afora para receber os ilustres visitantes. Coube à Galeota D. João VI, que serviu durante décadas aos Orleans e Bragança da Casa Imperial brasileira, conduzir a comitiva no último e menor trecho da viagem, do navio de guerra fundeado até a Praça Mauá, seguindo dali o séquito pela Avenida Rio Branco para receber a aclamação popular.

 

 

Menos de um mês depois, em 16 de outubro, o casal real voltava a embarcar no São Paulo para seu retorno à Europa. Em 1º de novembro, o Rei Alberto I desembarcou em Lisboa, e a Rainha Elisabeth permaneceu a bordo até a conclusão daquela missão, quando foi deixada junto com sua comitiva no porto belga de Dunquerque. O navio ainda aportou em Portsmouth, Antuérpia e Cherburgo, cumprindo o roteiro de visitas protocolares aos aliados da Primeira Guerra Mundial. A derradeira missão se iniciou em 19 de outubro, quando o São Paulo chegou a Lisboa para receber os restos mortais dos últimos imperador e imperatriz do Brasil. O cortejo fúnebre que saiu do Panteão dos Bragança  reuniu grande multidão nas ruas da capital portuguesa; acompanharam os corpos até o navio brasileiro o Conde D’Eu e o Príncipe D. Pedro. No mesmo dia o São Paulo deixou Portugal e, em 7 de janeiro de 1921, atracava na Praça Mauá encerrando com sucesso as três missões consecutivas iniciadas quase seis meses antes, quando percorreu sem falhas mais de 40 mil quilômetros.

 

*  Carlos André Lopes da Silva é pesquisador da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

 

Em 26 de setembro de 2016, foi publicado um segundo artigo sobre o assunto, de autoria da pesquisadora Andrea C. T. Wanderley: A viagem dos reis da Bélgica ao Brasil sob as lentes de Guilherme Santos