Nos passos de Oswaldo: imagens das expedições do IOC aos portos do Brasil entre 1911 e 1913

Hoje a Fundação Oswaldo Cruz completa 120 anos e a Brasiliana Fotográfica homenageia a instituição com a publicação de um artigo e de imagens das expedições realizadas por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz aos portos do Brasil, entre os anos de 1911 e 1913. As fotos estão sob a guarda do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fiocruz parceira do portal e responsável pela preservação do patrimônio histórico da Fundação. Hoje, se os aeroportos são as principais vias de entrada de vírus como o Sars-Cov-2, no passado o controle para evitar epidemias começava nos portos marítimos e fluviais. Quem nos conta essa história é Cristiane d’Avila, jornalista do DAD/COC. No final do artigo, estão listados, com links, todos os 25 artigos produzidos pelo Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz para a Brasiliana Fotográfica.

 

Nos passos de Oswaldo: imagens das expedições do IOC aos portos do Brasil em entre 1911 e 1913

   Cristiane d’Avila*

 

 

“Os meios de defesa dos portos da extensa costa brasileira são totalmente ineficientes contra a penetração de moléstias contagiosas vindas do estrangeiro. O serviço sanitário dos portos é verdadeiramente vergonhoso. É imprescindível instalar estações de desinfecção nos portos principais, bem como hospitais de isolamento com laboratórios, indispensáveis para o diagnóstico das moléstias”[1].

As rigorosas medidas sanitárias citadas acima foram pinçadas de uma carta de Oswaldo Cruz escrita em 1905, quando o cientista chefiava a Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP). Em inédita e pioneira expedição científica a portos marítimos e fluviais de Norte a Sul do Brasil, Cruz escreveu, diariamente, dezenas de cartas à esposa Emília da Fonseca Cruz e telegramas a autoridades da época. Em suas missivas, o cientista relatava o que via nos “sertões”[2] e localidades até então quase inabitadas do país.

 

Acessando o link para as 21 fotografias selecionadas sobre as expedições do IOC aos portos do Brasil em entre 1911 e 1913 para esse artigo disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Nessa expedição, que durou mais de 100 dias entre os meses de setembro de 1905 a fevereiro de 1906, Oswaldo Cruz constatou o risco a que estava sujeita a população nas “portas de entrada” do país, os portos marítimos e fluviais. Seu objetivo era combater, principalmente, doenças como malária, peste bubônica e febre amarela, entre outras enfermidades. Era preciso sanear aquelas localidades e também responder positivamente a tratados internacionais. Signatário da 11ª Conferência Sanitária Internacional, assinada em Paris, em 1903, e da Convenção Sanitária entre as Repúblicas Platinas, assinada no Rio de Janeiro, em 1904, o país tinha o compromisso de promover a reforma da organização sanitária das zonas portuárias brasileiras.

A bordo do navio República, Oswaldo Cruz fez o seguinte percurso de inspeção aos portos, partindo do porto do Rio de Janeiro: Cabo Frio (RJ), Vitória (ES); Caravelas, Porto Seguro, Santa Cruz e Salvador (BA); Aracaju (SE); Penedo e Maceió (AL); Tamandaré e Recife (PE), Cabedelo e João Pessoa (PB); Natal, Mossoró e Assu (RN); Camocim e Fortaleza (CE); Amarração (PI), São Luís (MA); Belém, Santarém e Óbidos (PA); e Parintins e Manaus (AM). O propósito foi estabelecer nessas localidades estações de desinfecção e hospitais de isolamento, para debelar moléstias que mortificavam o povo empobrecido do interior.

 

 

“A série não está completa. A última carta disponível foi enviada de São Luís do Maranhão, mas sabemos que Oswaldo Cruz prosseguiu viagem até Manaus e, depois, aos portos do Sul”, explica a pesquisadora do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz (DAD/COC) Ana Luce Girão, no artigo “A bordo do República: diário pessoal da expedição de Oswaldo Cruz aos portos marítimos e fluviais do Brasil”.

Em segunda etapa da viagem iniciada em janeiro de 1906, o cientista rumou para o Sul a bordo do paquete Santos. Foi quando visitou os portos de Santos, Paranaguá, São Francisco e Rio Grande. Estendeu o itinerário até as capitais do Uruguai, da Argentina e do Paraguai e, em seguida, a Corumbá (MT). Em 28 de fevereiro, depois de passar novamente por Buenos Aires e Assunção, retornou ao Rio de Janeiro[3].

 

 

Infelizmente, não há registro fotográfico sobre essa expedição aos portos marítimos e fluviais do Brasil pela DGSP [4], mas o DAD/COC guarda 29 documentos textuais de Oswaldo sobre a experiência. Além de representarem um minucioso e praticamente único relato da viagem, neles o cientista registra impressões sobre as condições de saúde, arquitetura e topografia das cidades visitadas. Tal qual um etnógrafo, tece observações sobre hábitos e costumes, comportamentos e modos de vestir e falar das elites locais e da população em geral[5].

Esse conjunto documental faz parte da série Correspondência do Fundo Oswaldo Cruz, a qual possui cerca de dois mil itens documentais de tipo textual, iconográfico e cartográfico, com datas-limite situadas entre 1885 e 1953. Para Ana Luce Girão, aí está registrada, com considerável detalhe, a trajetória profissional, intelectual e administrativa do titular.

 

 

As 21 fotos selecionadas para ilustrar este artigo abrangem as expedições científicas de pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) realizadas entre 1911 e 1913. Seguindo os passos do mentor Oswaldo Cruz, Arthur Neiva e Belisário Penna percorreram o norte da Bahia, o sudeste de Pernambuco, o sul do Piauí e Goiás de norte a sul. João Pedro de Albuquerque e José Gomes de Faria dirigiram-se para o Ceará e o norte do Piauí. Adolpho Lutz e Astrogildo Machado desceram o rio São Francisco, de Pirapora a Juazeiro, cruzando também alguns de seus afluentes. Carlos Chagas, Pacheco Leão e  João Pedro Albuquerque inspecionaram boa parte da bacia do rio Amazonas através dos rios Solimões, Juruá, Purus, Acre, Iaco, Negro e o baixo rio Branco.

“Os temas de maior ocorrência no conjunto fotográfico de 1913 são as paisagens rurais e fluviais e os transportes. Rios, barrancos e vegetações emolduram vultos de vapores, gaiolas e embarcações menores, denotando a vastidão do território, a dificuldade de percorrê-lo e a escassa presença humana”[6].

 

 

A partir de documentos da viagem de Oswaldo Cruz em 1905 e das expedições do IOC de 1911 a 1913, pesquisadores da COC produziram os documentários Chagas na Amazônia (1991)[7]Chagas nos rios Negro e Branco (1994)[8]Chagas no Acre e Purus (1997)[9] e Oswaldo Cruz na Amazônia (2002)[10], refazendo as mencionadas viagens e reexaminando questões relativas às condições sanitárias da região amazônica.

 

[1] Trecho extraído de carta de Oswaldo Cruz reproduzida em áudio no documentário Oswaldo Cruz na Amazônia, de Stella Oswaldo Cruz Penido e Eduardo Thielen, produzido pela VideoSaúde Distribuidora da Fiocruz.

[2] Para compreender melhor a expressão ver LIMA, 1998.

[3] Para saber mais, acesse www.oswaldocruz.fiocruz.br

[4] PENIDO, 2007.

[5] Ver em http://basearch.coc.fiocruz.br/index.php/expedicao-aos-portos-maritimos-e-fluviais-do-brasil-pela-dgsp

[6] SANTOS, THIELEN, 1996.

[7] Ver em https://youtu.be/LzYdhNO2EQw

[8] Ver em https://youtu.be/-ungTgViUBw

[9] Ver em https://youtu.be/OCB-wuyX194

[10] Ver em https://portal.fiocruz.br/video-oswaldo-cruz-na-amazonia-revolta-da-vacina

 

*Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

 

Fontes:

LIMA, Ana Luce Girão Soares de. “A bordo do República: diário pessoal da expedição de Oswaldo Cruz aos portos marítimos a fluviais do Brasil”. Hist. cienc. saúde-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 4, n. 1, p. 158-167,  June  1997 .   Disponível em https://bit.ly/3d3ZSt8.

LIMA, Nísia Trindade. Missões civilizatórias da República e interpretação do Brasil. Hist. cienc. saude-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 5, supl. p. 163-193,  jul.  1998 .   Disponível em https://bit.ly/2WosQNK.

PENIDO, Stella Oswaldo Cruz. “Carta do editor”. Hist. cienc. saúde-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 14, supl. p. 7-9,  dez.  2007 .   Disponível em https://bit.ly/2yeuzNC.

REBELO, Fernanda. “Entre o Carlo R. e o Orleannais: a saúde pública e a profilaxia marítima no relato de dois casos de navios de imigrantes no porto do Rio de Janeiro, 1893-1907”. Hist. ciênc. saúde – Manguinhos, Rio de Janeiro, v.20, n.3, jul.-set. 2013, p.765-796.

SANTOS, Fernando Dumas dos; THIELEN, Eduardo. “Revisitando a Amazônia de Carlos Chagas”. Hist. cienc. saúde-Manguinhos,  Rio de Janeiro ,  v. 3, n. 3, p. 523-534,  Nov.  1996 .   Disponível em  https://bit.ly/2YrZd0R.

 

 

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Lista dos 25 artigos produzidos pela Casa de Oswaldo Cruz para publicação na Brasiliana Fotográfica

(agosto de 2017 a maio de 2020)

A apresentação do Departamento Nacional de Saúde Pública na Exposição Internacional do Centenário da Independência – 13/04/2020 – Ricardo Augusto dos Santos, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Cenas da folia em Manaus em 1913 – 28/02/2020 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Trilhos sobre a floresta: imagens da construção da E.F. Madeira-Mamoré – 14/10/2019 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

 

As ruínas de Brás de Pina – 30/09/2019 – Ricardo Augusto dos Santos, Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

O funeral de Teixeira Mendes pela lente de Augusto Malta – 02/08/2019 – Ricardo Augusto dos Santos, Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz, e Marcus Vinícius Rubim Gomes é estagiário na Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

A descoberta da doença de Chagas – 14/06/2019 – Simone Petraglia Kropf, historiadora da Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

O cotidiano da Manguinhos – 24/04/2019 – Equipe da Fiocruz 

 

As expedições do Instituto Oswaldo Cruz entre 1911 e 1913 – 14/03/2019 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Morro de Santo Antônio – 05/02/2019 – Ricardo Augusto dos Santos, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

João Pedro ou João Pedroso? – 11/01/2019 – Ricardo Augusto dos Santos e Francisco dos Santos Lourenço, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas: centenário da construção da pesquisa clínica em Manguinho – 21/12/2018 – Dilene Raimundo do Nascimento, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas 100 anos: Carlos e Evandro Chagas em retratos de família,  – 27/11/2018 – Aline Lopes de Lacerda, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas: 100 anos de pesquisa clínica – 26/10/2018 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

O sanitarista Belisário Penna (1868 – 1939, um dos protagonistas da história da saúde pública no Brasil – 28/09/2018 – Ricardo Augusto dos Santos, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Vacinação no Brasil, uma história centenária – 17/08/2018 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

A criação de uma vacina para a peste da manqueira, um marco na história da veterinária brasileira e mundial – 21/06/2018 – Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

100 anos do Castelo da Fiocruz: criador e criatura – Renato da Gama-Rosa Costa – 15 /05/ 2018, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

100 anos do Castelo da Fiocruz: os pedreiros do castelo da avenida Brasil – Ricardo Augusto dos Santos – 12/04/2018, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Febre amarela: imagens da produção da vacina no início do século XX – Aline Lopes de Lacerda – 23/03/2018, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos – Cristiane d´Avila – 28/02/2018, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Manguinhos e a cidade do Rio de Janeiro – Equipe da Fiocruz – 19/01/2018, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

O cientista Oswaldo Cruz (1872 – 1917), prefeito de Petrópolis – Cristiane d’Avila com a colaboração de Ana Luce Girão, 28/12/2017, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

O fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, o J. Pinto (1884-1951) e a Fundação Oswaldo Cruz – Ricardo Augusto dos Santos, 16/11/2017, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Manguinhos e os sertões – Equipe da Fiocruz, 09/10/2017 , Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

 

Novos acervos: Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz – Fotografia, Ciência e Saúde Pública – Equipe da Fiocruz, 30/08/2017, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz

As doenças do Rio de Janeiro no início do século XX e a Revolta da Vacina em 1904

No início do século XX, no Rio de Janeiro, providências em torno do combate de diversas doenças já provocavam grandes polêmicas. A campanha de combate à varíola resultou, em novembro de 1904, em uma revolta popular e militar, a Revolta da Vacina ou Quebra-Lampiões – um protesto contra a lei que tornava obrigatória a vacinação em massa contra a doença, instituída pelo prefeito Pereira Passos e colocada em prática pelo então Diretor Geral de Saúde Pública, Oswaldo Cruz, contratado para o cargo para combater a varíola, assim como a peste bubônica e a febre amarela, que grassavam na cidade. Vamos contar um pouco dessa história.

 

 

Em 30 de dezembro de 1902, por decreto, Francisco Pereira Passos (1836 – 1913) foi nomeado prefeito do então Distrito Federal, o Rio de Janeiro, pelo presidente Rodrigues Alves (1848 – 1919), que prometia marcar seu governo pela modernização e pelo saneamento. Assumiu no mesmo dia (Gazeta de Notícias, 31 de dezembro de 1902, na sexta coluna), sucedendo Carlos Leite Ribeiro (1858 – 1945). Ocupou o cargo até 16 de novembro de 1906, quando foi sucedido por Francisco Marcelino de Sousa Aguiar (1855 – 1935) (O Paiz, 17 de novembro de 1906, na sexta coluna). Durante seu mandato, o prefeito Pereira Passos realizou uma significativa reforma urbana na cidade.

Para saneá-la e modernizá-la realizou diversas demolições, conhecidas popularmente como a política do “bota-abaixo”, que contribuiu fortemente para o surgimento do Rio de Janeiro da Belle Époque, sendo a abertura da Avenida Central dos seus maiores símbolos, festejada em uma crônica de Olavo Bilac (1865 – 1918) (Kosmos, março de 1904) . Essas transformações foram definidas por Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), autor da seção “Binóculo”, da Gazeta de Notícias, com a máxima “O Rio civiliza-se”, que se tornou o slogan da reforma urbana carioca. Foi também Pereira Passos que contratou, em 1903, o primeiro fotógrafo oficial da prefeitura, Augusto Malta (1864 – 1957), justamente para documentar todas essas inúmeras e radicais mudanças na cidade.

 

 

Mas as reformas urbanas não eram o bastante para mudar o perfil do Rio de Janeiro, na época uma cidade bastante insalubre, assolada por doenças e sem saneamento básico, certamente obstáculos para o estabelecimento de uma sociedade moderna e cosmopolita nos moldes das capitais europeias. Lembramos do caso do cruzador italiano Lombardia que aportou na cidade, em novembro de 1895, e teve grande parte de sua tripulação infectada pela febre amarela. O capitão-de-fragata e comandante do navio, Olivari, e outros tripulantes, faleceram da doença (O Paiz, 28 de novembro de 1895, quinta coluna; O Paiz, 15 de fevereiro de 1896, quarta coluna; O Paiz, 17 de fevereiro de 1896, quinta coluna; O Paiz, 25 de fevereiro, sexta coluna; O Paiz, 29 de fevereiro de 1896, sexta colunaO Paiz, 1º de março de 1896, penúltima coluna; O Paiz, 9 de março de 1896, quarta colunaO Paiz, 10 de abril de 1896, penúltima coluna).

O Rio de Janeiro era inclusive conhecido internacionalmente como “túmulo dos estrangeiros”, possivelmente devido a versos sobre o verão carioca atribuídos ao escritor suíço Ludwig Ferdinand Schmid (1823-1888), que havia sido cônsul no Rio de Janeiro na década de 1860:

Oh! sombra, sobre a imagem encantada / Cores escuras pousam sobre os campos e florestas / O mal da natureza paira, poderoso / Sobre a florida superfície tropical /O poder supremo/ Deste Império não é de nenhum Herodes / No entanto é a terra da morte diária / Túmulo insaciável do estrangeiro”.

Pereira Passos assumiu a prefeitura de uma cidade que no fim do Império tinha uma população de cerca de 500 mil habitantes e que atingira cerca de 700 mil pessoas em 1904. Ele aliou a reforma urbanística e arquitetônica da cidade – que incluiria a construção de um novo porto, de novas avenidas, o aterramento de praias, o desmonte de morros, a derrubada de casas e cortiços e o embelezamento de praças e jardins, que não deixou de ter seu lado excludente e criticado, deslocando parte da população do centro para o subúrbio e também contribuindo para o surgimento das favelas – a uma nova política higienista. Para implementar medidas sanitárias arrojadas foi nomeado pelo presidente Rodrigues Alves para a direção geral de Saúde Pública o jovem médico Oswaldo Cruz (1872 – 1917), que tomou posse em 23 de março de 1903. Ficou no cargo até 1909.

 

Oswaldo Cruz havia estudado microbiologia, soroterapia e imunologia no Instituto Pasteur, e medicina legal no Instituto de Toxicologia, na França, entre 1897 e 1898. Quando voltou ao Brasil, tomou posse, em 24 de agosto de 1899, na Academia Nacional de Medicina, e, em 1900, assumiu a direção técnica do Instituto Soroterápico Federal, o qual passou a dirigir em 1902.

 

 

Os principais problemas que Oswaldo Cruz teve que enfrentar como Diretor Geral de Saúde Pública foram a febre amarela, a peste bubônica e a varíola. Um de seus colaboradores foi o sanitarista Belisário Penna (1868 – 1939).

 

 

A febre amarela

 

 

Em 1902, a febre amarela havia sido responsável pela morte de cerca de mil pessoas no Rio de Janeiro. Oswaldo Cruz era adepto da teoria do médico cubano Carlos Finlay (1833 – 1915) sobre a transmissão da febre amarela pelos mosquitos Stegomyia fasciata. Para exterminá-los, em abril de 1903, iniciou a campanha de combate à doença. Em 15 de abril, foi criado o Serviço de Profilaxia Específica da Febre Amarela (O Paiz, 18 de abril de 1903, sexta coluna; 22 de abril de 1903, quarta coluna; 25 de abril, quinta coluna; e 29 de abril, quarta coluna).

 

 

 

A execução dessa profilaxia foi regulamentada pelas “Instruções para o Serviço de Profilaxia Específica de Febre-Amarela” nos primeiros dias de maio de 1903, do ministro da Justiça e Negócios Interiores, J.J. Seabra (1855 – 1942) (O Paiz, 7 de maio de 1903, penúltima coluna).

 

 

Foram criadas as brigadas sanitárias, que “eram constituídas por 1 inspetor do serviço, responsável por toda a execução das atividades e nomeado por decreto; 10 médicos que o auxiliam, destacados dentre os inspetores sanitários pelo diretor geral de saúde pública, mediante indicação do inspetor do serviço; 70 auxiliares acadêmicos e 9 chefes de turma, nomeados pelo diretor geral de saúde pública; 1 administrador do serviço, 1 almoxarife e 1 escrituario-arquivista, nomeados por portaria do Ministro; 200 capatazes, 18 guardas de saúde de primeira classe e 18 de segunda classe, 18 carpinteiros e pedreiros, bombeiros, cocheiros, nomeados pelo inspetor do serviço; e quantos mais trabalhadores fossem necessários” (BRASIL, 1905).

 

 

Guardas “mata-mosquitos” visitavam casas nas diversas regiões da cidade, muitas vezes acompanhados por soldados da polícia. A cidade foi dividida em distritos sanitários, sob jurisdição das delegacias de Saúde, que recebiam notificações dos enfermos, aplicavam multas e intimavam os donos de imóveis considerados insalubres a reformá-los ou até mesmo a demoli-los. Providenciava-se a remoção de pessoas infectadas para hospitais, o isolamento domiciliar dos enfermos assim como a desinfecção dos ambientes. Ao mesmo tempo, Oswaldo Cruz fazia circular na imprensa os folhetos Conselhos ao Povo, de divulgação das medidas adotadas.

 

 

A doença foi perdendo a força e, em 1907, Oswaldo Cruz escreveu ao presidente Afonso Pena (1847 – 1909): “graças à firmeza e vontade do governo, a febre amarela já não mais devasta sob a forma epidêmica a capital da República”. Nesse mesmo ano, a delegação brasileira de cientistas de Maguinhos, liderada por Oswaldo Cruz, recebeu a medalha de ouro no XIV Congresso Internacional de Higiene e Demografia de Berlim.

 

 

Acessando o link para as fotografias relativas à febre amarela disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Aline Lopes de Lacerda, historiadora e chefe do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz,  escreveu o artigo Febre amarela: imagens da produção da vacina no início do século XX, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 25 de março de 2018. Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, escreveu Vacinação no Brasil, uma história centenária, publicado em 17 de agosto de 2018. Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, escreveu o artigo O sanitarista Belisário Penna (1868-1939), um dos protagonistas da história da saúde pública no Brasil, também publicado no portal, em 28 de setembro de 2018. A Fiocruz é uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica.

 

A peste bubônica

 

 

A peste bubônica, doença transmitida pela picada de pulgas infectadas por ratos contaminados pela bactéria Yersinia pestis, o bacilo descoberto pelo suíço Alexandre Yersin (1863 – 1943) e pelo japonês Shibasaburo Sato (1852 – 1931), em 1894, chegou ao Brasil, pelo porto de Santos, em 1900. Foi combatida por Oswaldo Cruz e as medidas contra a peste bubônica não encontraram resistência da população. Foi intensificada a limpeza urbana e a notificação dos doentes era compulsória, o que ajudava no isolamento e no tratamento dos mesmos com o soro fabricado no Instituto Soroterápico Federal. Foi também promovida a vacinação de pessoas residentes nas áreas mais atingidas e uma abrangente campanha de desratização foi realizada: os funcionários destacados para a função tinham que recolher 150 ratos por mês, pelos quais recebiam 60 mil-réis.

A Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) passou a comprar ratos: para cada animal morto apresentado, pagava-se a quantia de duzentos réis, o que ocasionou o surgimento da profissão de “ratoeiro” – compravam ratos a baixo preço ou até mesmo os criavam em casa e os revendiam para a DGSP. A “guerra aos ratos” virou motivo de piada, de críticas (Revista da Semana, 21 de agosto de 1904Kosmos, outubro 1904) e até uma música sobre o tema, a polca Rato, rato, composta por Casemiro da Rocha (1880 – 1912), integrante da banda do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, com letra de Claudino Costa, foi um grande sucesso no carnaval de 1904. Foi gravada na Casa Edison.

 

 

O fato é que as mortes por peste bubônica que, em 1903, atingiram o índice de 48,74 mortes para cada 100 mil habitantes, caíram vertiginosamente e quando Oswaldo Cruz deixou a Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1909, esse índice chegou ao seu mais baixo patamar: 1,73.

 

A varíola e a Guerra da Vacina

 

 

Até meados de 1904, as internações causadas pela varíola já chegavam a 1800 no Hospital São Sebastião. Oswaldo Cruz pretendeu controlar a doença com a vacinação em massa da população. Pediu que fosse enviado ao Congresso Nacional um projeto de lei para resgatar a obrigatoriedade da vacinação e revacinação antivariólica. A vacinação já estava contemplada em uma lei em vigor desde 1837, mas que nunca havia sido cumprida.

 

 

 

A medida enfrentou a oposição liderada pelo senador paraense Lauro Sodré (1858 – 1944), líder do Partido Republicano Federal, e pelos deputados pernambucano Barbosa Lima (1862 – 1931) e gaúcho Alfredo Varela (1864 – 1943), todos contra o governo do presidente Rodrigues Alves, do Partido Conservador. O Apostolado Positivista do Brasil, liderado por Raimundo Teixeira Mendes (1855 – 1927), também se opôs à lei.

 

 

 

 

Jornais e políticos lançaram uma campanha contra a medida, incitando a desobediência à lei, que eles classificavam como despótica e ameaçadora, já que estranhos tocariam nas pessoas no caso da vacinação, além de entrarem nas casas para desinfecção. Além disso, a vacina, que consistia no líquido de pústulas de vacas doentes, era rejeitada pelas camadas populares – havia um boato de que os vacinados adquiriam feições bovinas…

 

 

 

Finalmente, foi promulgada, em 31 de outubro de 1904, uma lei que tornou a vacinação e a revacinação contra a varíola obrigatória.

 

Lei n° 1.261, de 31 de outubro de 1904

 

Torna obrigatorias, em toda a Republica, a vaccinação e a revaccinação contra a variola.

O Presidente da Republica dos Estados Unidos do Brazil:
Faço saber que o Congresso Nacional decretou e eu sancciono a lei seguinte:

     Art. 1º A vaccinação e revaccinação contra a variola são obrigatorias em toda a Republica.

     Art. 2º Fica o Governo autorizado a regulamental-a sob as seguintes bases:

     a) A vaccinação será praticada até o sexto mez de idade, excepto nos casos provados de molestia, em que poderá ser feita mais tarde;

     b) A revaccinação terá logar sete annos após a vaccinação e será repetida por septennios;

     c) As pessoas que tiverem mais de seis mezes de idade serão vaccinadas, excepto si provarem de modo cabal terem soffrido esta operação com proveito dentro dos ultimos seis annos;

     d) Todos os officiaes e soldados das classes armadas da Republica deverão ser vaccinados e revaccinados, ficando os commandantes responsaveis pelo cumprimento desta;

     e) O Governo lançara mão, afim de que sejam fielmente cumpridas as disposições desta lei, da medida estabelecida na primeira parte da lettra f do § 3º do art. 1º do decreto n. 1151, de 5 de janeiro de 1904;

     f) Todos os serviços que se relacionem com a presente lei serão postos em pratica no Districto Federal e fiscalizados pelo Ministerio da Justiça e Negocios Interiores, por intermedio da Directoria Geral de Saude Publica.

     Art. 3º Revogam-se as disposições em contrario.

Rio de Janeiro, 31 de outubro de 1904, 16º da Republica.

FRANCISCO DE PAULA RODRIGUES ALVES.
J. J. Seabra.

 

 

 

 

Em um encontro presidido pelo senador Lauro Sodré, no Centro das Classes Operárias, em 5 de novembro de 1904, foi fundada a Liga Contra a Vacina Obrigatória (O Paiz, 6 de novembro de 1904, penúltima coluna). O descontentamento popular se agravou quando, no dia 9 de novembro de 1904, o governo divulgou seu plano de regulamentação da aplicação da vacina obrigatória contra a varíola (Gazeta de Notícias, 10 de novembro de 1904, quinta coluna). Nos dias 10 e 11, no Largo de São Francisco, estudantes contrários à lei se reuniram e, no dia 13 de novembro, acirrou-se a rebelião popular, que ficou conhecida como Revolta da Vacina, marcada por diversos distúrbios urbanos em várias regiões da cidade, embates com a polícia e prisões. Mais de 20 bondes da Companhia Carris Urbanos e muitos lampiões da iluminação pública foram destruídos, daí o apelido Quebra Lampiões atribuído ao movimento (Gazeta de Notícias, 14 de novembro de 1904; e Jornal do Brasil, 14 de novembro de 1904).

 

 

 

Paralelamente à revolta popular, aconteceu um movimento militar orquestrado pelos generais Silvestre Travassos (? – 1904) e Olímpio da Silveira (1887 – 1935), Lauro Sodré, Barbosa Lima, o major Gomes de Castro e o capitão Augusto Mendes de Moraes, que se reuniram no dia 14 de novembro de 1904, no Clube Militar. Tinham por objetivo derrubar o governo de Rodrigues Alves, que foi aconselhado a ir para um navio de guerra, onde teria mais segurança – ele recusou.

Houve no mesmo dia uma tentativa fracassada de levante na Escola de Tática do Realengo, sufocada pelo então diretor da instituição, general Hermes da Fonseca (1855 – 1923), futuro presidente do Brasil. O comandante da Escola Militar de Realengo, o general Alípio Costallat (c. 1853 – 1933), foi deposto pelo general Travassos que liderou, durante a noite, a marcha dos alunos em direção ao Palácio do Catete. Os revoltosos trocaram tiros com uma brigada de ataque enviada pelo governo, na rua da Passagem, em Botafogo. O tiroteio, de cerca de meia hora, matou um aluno da Escola Militar, Silvestre Cavalcanti, e um sargento da tropa legalista, chamado Camargo. O general Travassos ficou gravemente ferido e faleceu oito dias depois. A Escola Militar, bombardeada durante a noite por navios de guerra posicionados na baía de Guanabara, foi ocupada pelo ministro da Guerra, o marechal Francisco de Paula Argollo (1847 – 1930) e pelo ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, Lauro Müller (1863 – 1926). Seus alunos foram presos, expulsos da Escola e levados para portos na região Sul do país. Obviamente, o desfile comemorativo dos 15 anos da Proclamação da República foi cancelado (Gazeta de Notícias, 15 de novembro de 1904Jornal do Brasil, 15 de novembro de 1904; Gazeta de Notícias, 16 de novembro de 1904; Jornal do Brasil, 16 de novembro de 1904).

No dia 16 de novembro, foi decretado o estado de sítio e revogada a obrigatoriedade da vacinação. Com isso, o movimento popular arrefeceu, os serviços voltaram a funcionar e a cidade se apazigou. Saldo do movimento: 945 prisões, 461 deportações, 110 feridos e 30 mortos (Gazeta de Notícias, 17 de novembro de 1904 e 18 de novembro de 1904).

 

 

Segundo o historiador Jaime Larry Benchimol: Todos saíram perdendo. Os revoltosos foram castigados pelo governo e pela varíola. A vacinação vinha crescendo e despencou, depois da tentativa de torná-la obrigatória. A ação do governo foi desastrada e desastrosa, porque interrompeu um movimento ascendente de adesão à vacina”.

Apenas nove pessoas morreram por varíola em 1906 no Rio de Janeiro. Porém, dois anos depois, em 1908, uma violenta epidemia da doença ocorreu na cidade, causando mais de 6.500 casos.

 

 

Link para músicas sobre Oswaldo Cruz e também sobre as campanhas de combate à febre amarela, à peste bubônica e à vacinação obrigatória contra a varíola, publicadas na Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

 

Retrospectiva das pandemias do século XX e XXI

 

O mundo, ao longo dos séculos XX e XXI, enfrentou cinco pandemias: a Gripe Espanhola, em 1918, tema de uma recente publicação da Brasiliana Fotográfica, E o ex e futuro presidente do Brasil morreu de gripe…a Gripe Espanhola de 1918; a Gripe Asiática, em 1957; a Gripe de Hong Kong, em 1968, a identificação de um novo vírus da influenza do tipo A pandêmico que desencadeou a Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional, decretada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2009; e cerca de 11 anos depois, em 11 de abril de 2020, a OMS declarou uma pandemia do novo coronavírus, chamado de Sars-Cov-2, causador da Covid-19, surgido na cidade de Wuhan, na China, em fins de 2019.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

 

BENCHIMOL, Jaime Larry. Pereira Passos: um Haussmann Tropical. A renovação urbana na cidade do Rio de Janeiro no início do século XX. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Cultura, Departamento Geral de Documentação e Informação Cultural, 1992.

BENCHIMOL, Jaime Larry. Reforma urbana e Revolta da Vacina na cidade do Rio de Janeiro. In: Jorge Ferreira e Lucilia de Almeida Neves Delgado (org.) O Brasil Republicano. O tempo do liberalismo excludente. Da proclamação da República à Revolução de 1930. 3. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

BIBEL, David J.; CHEN, T.H. Diagnosis of Plague: an Analysis of the Yersin-Kitasato Controversy. American Society for Microbiology, 1976.

Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz

BRASIL. Ministério da Justiça. Relatório 1904 – 1905. Imprensa Nacional, Rio de Janeiro, 1905.

CARVALHO, José Murilo de: Os Bestializados – O Rio de Janeiro e a República que não foi. São Paulo : Companhia das Letras, 1987.

COSTA, Zouraide; ELKHOURY, Ana; FLANNERY, Brendan; ROMANO, Alessandro. Evolução histórica da vigilância epidemiológica e do controle da febre amarela no Brasil, 2011.

CURY, Bruno da Silva Mussa. Combatendo ratos, mosquitos e pessoas: Oswaldo Cruz e a saúde pública na reforma da capital do Brasil (1902-1904). / Bruno da Silva Mussa Curry. – 2012. 160 f. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Programa de Pós-graduação em História, Rio de Janeiro, 2012.

Dicionário Cravo Alvim

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Ministério da Saúde

MOURELLE, Thiago. A revolta da vacina. Arquivo Nacional: Que República é essa?, 21 de janeiro de 2020.

Nosso Século. São Paulo : Abril Cultural, 1980.

Portal Fiocruz – A trajetória do médico dedicado à ciência

Portal Fiocruz  – A Revolta da Vacina

Projeto Memória – Fundação Banco do Brasil

ROCHA, Oswaldo; CARVALHO, Lia de Aquino. A era das demolições Habitações Populares. Rio de Janeiro : Biblioteca Carioca, 1986

SEVCENKO, Nicolau. A Revolta da Vacina: mentes insanas em corpos rebeldes. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

Site CPDOC

Site Multirio

Cenas da folia em Manaus em 1913

Com o artigo Cenas da folia em Manaus em 1913, da jornalista Cristiane d´Avila, da Casa de Osvaldo Cruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, o portal destaca fotografias do carnaval na capital do Amazonas no início do século XX. Além da documentação fotográfica das expedições que o Instituto Oswaldo Cruz realizou entre 1910 e 1913 ao Norte, Nordeste e Centro Oeste do Brasil, os fotógrafos que acompanhavam os  cientistas também registraram muitas imagens em cidades e lugarejos por onde passavam, a exemplo das imagens sobre o Carnaval em Manaus, em fevereiro de 1913, realizadas dias antes da partida dos médicos Carlos Chagas (1879 – 1934), Antônio Pacheco Leão (1872 – 1931) e João Pedro de Albuquerque (1874 – 1934) para sua a última viagem ao rio Negro e seu afluente, o Branco, até a fronteira com a Venezuela.

 

Cenas da folia em Manaus em 1913

 Cristiane d’Avila*

 

 

Era um domingo de Carnaval, 2 de fevereiro de 1913. Dali a quatro dias, 6 de fevereiro, os médicos Carlos Chagas, do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), Antônio Pacheco Leão, da Escola de Medicina do Rio de Janeiro, e João Pedro de Albuquerque, da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), partiriam para sua a última viagem ao rio Negro e seu afluente, o Branco, até a fronteira com a Venezuela. A rota encerrava a expedição organizada a partir de contrato firmado entre a Superintendência da Defesa da Borracha e Oswaldo Cruz, então diretor do IOC, para avaliar as condições sanitárias dos seringais às margens dos rios Solimões, Tarauacá, Iaco, Negro, Branco, Purus e afluentes.

 

Acessando o link para as fotografias do carnaval em Manaus em 1913 disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Para o governo federal, as endemias que assolavam as populações na Amazônia, em especial a malária, eram o principal obstáculo ao desenvolvimento da economia da borracha. O enfrentamento dessas condições sanitárias seria capaz de fazer frente à concorrência asiática no Ceilão e na Malásia, iniciada após o contrabando de sementes de Hevea brasiliensis realizado, com sucesso, em 1876, sob a liderança do botânico Henry Wickham com patrocínio da Grã-Bretanha. Por essa razão, o Instituto Oswaldo Cruz foi designado para coordenar a comissão, que gerou o Relatório sobre as condições médico-sanitárias do vale do Amazonas, cuja versão final foi assinada por Oswaldo Cruz.

Iniciada em outubro de 1912, a missão científica levou os sanitaristas a percorrerem a geografia fluvial a bordo de um pequeno vapor, equipado com instrumentos e material necessários a seus estudos. Os sanitaristas enviados pelo governo atracavam nos seringais e povoados recolhendo amostras para exames, realizados no precário laboratório a bordo da embarcação. No trajeto, observavam casos clínicos de doenças comuns e até então completamente desconhecidas, anotavam práticas medicinais e modos de habitar das populações daquelas regiões, coletavam insetos suspeitos de transmitir doenças, recolhiam plantas de valor medicinal, entre outras ações de investigação científica. O objetivo era propor medidas de saneamento.

A missão partia sempre de Manaus, então um centro urbano pujante e moderno, enriquecido com a extração e comércio da borracha, exportada em grande escala para fábricas da Europa. A descoberta de processos de impermeabilização e vulcanização (1844) para a transformação industrial da matéria-prima dos seringais numa grande variedade de produtos, e a invenção do pneumático (1890), elevaram a cotação da borracha brasileira no mercado internacional.

Desde a segunda metade do século XIX até a década de 1910, a produção brasileira de borracha representava 61% da produção mundial (dado de 1892) e 50% em 1910. “Estas duas décadas demarcam a época áurea do ciclo da borracha, das grandes fortunas acumuladas por seringalistas, pelos negociantes que controlavam o comércio e a navegação do Amazonas e por toda espécie de aventureiro que pôde tirar proveito da opulência que se instalou em Manaus e em Belém”.

 

 

As fotografias aqui apresentadas foram registradas pelos fotógrafos que acompanhavam os cientistas. Incumbidos de registrar as expedições do IOC de 1910 a 1913 ao Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país, esses profissionais não se atinham ao registro das condições de vida da população interiorana. A serviço da ciência, também produziram muitas imagens sobre as cidades e lugarejos por onde passavam, a exemplo dos registros sobre o Carnaval em Manaus. Os corsos – carros de luxo ornamentados, de onde os foliões jogavam confetes e flores nos passantes e em outros corsos – denotam a elitização da folia na cidade.

 

 

* Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

 

Fontes:

 

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. CASA DE OSWALDO CRUZ. A ciência a caminho da roça: imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1992.

VITAL, André Vasques. Carlos Chagas na “guerra dos rios”: a passagem da comissão do Instituto Oswaldo Cruz pelo rio Iaco (Alto Purus, território federal do Acre, 1913). História, Ciências, Saúde-Manguinhos, vol. 25, núm. 1, 20

 

 

Links para artigos sobre carnaval já publicados na Brasiliana Fotográfica

 

Imagem relacionada

O carnaval nas primeiras décadas do século XX, publicado em 5 de fevereiro de 2016

 

 

O carnaval do Cordão da Bola Preta, publicado em 9 de fevereiro de 2018

 

 

As Camélias Japonesas no carnaval de Alagoas pelas lentes do fotógrafo amador Luiz Lavenère Wanderley (1868 – 1966) publicada em 21 de fevereiro de 2020

 

Baile de Carnaval em Santa Teresa – Di Cavalcanti, Klixto e Helios Seelinger, na casa de Raul Pederneiras, publicado em 25 de fevereiro de 2022

 

 

O Rei Momo por Jean Manzon e por outros fotógrafos dos Diários Associados, publicado em 3 de fevereiro de 2023

 

 

Foliões do Carnaval de Diamantina por Chichico Alkmin, publicado em 17 de fevereiro de 2023

 

 

Crianças no carnaval carioca de 1933 por Guilherme Santos, publicado em 8 de fevereiro de 2024

 

Acessando o link para as fotografias de Carnaval disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos

A Brasiliana Fotográfica abre as comemorações do centenário da conclusão da construção do Castelo da Fiocruz, instituição parceira do portal, com um texto de autoria de Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz com fotografias de autoria de Huberti (18? – 19?), J. Pinto (1884 – 1951) e de fotógrafos ainda não conhecidos. Posteriormente, serão publicados textos sobre o centenário do prédio dos pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz, Renato da Gama-Rosa, com detalhes sobre sua construção e sobre seu projeto arquitetônico, e de Ricardo Augusto dos Santos, com o foco nos pedreiros que o ergueram. Aos 30 anos e à frente do então Instituto Soroterápico Federal, na distante fazenda de Manguinhos, Oswaldo Cruz (1872 – 1917) não mediu esforços para materializar um sonho aparentemente irrealizável: construir um monumental castelo para abrigar a nova e incipiente ciência brasileira. Por sua extensão e distância do centro do Rio de Janeiro, a fazenda era um espaço adequado à instalação de laboratórios e à produção de soros antipestosos contra o surto de peste bubônica. Projetado pelo arquiteto Luiz Moraes Junior (1872 – 1955), o edifício começou a ser erguido em 1905 e foi concluído em 1918.

 

100 anos do Castelo da Fiocruz: a ocupação da Fazenda de Manguinhos

Cristiane d’Avila*

A missão, grandiosa, os obstáculos, gigantescos. Mas, já diria Brás Cubas, como escapar de uma ideia fixa, caro leitor? Contemporâneo de Machado de Assis, Oswaldo Cruz pode não ter inspirado o genial autor, mas a obsessão que avassalou o memorável personagem talvez tenha acometido o jovem e brilhante médico brasileiro. Aos 30 anos e à frente do então Instituto Soroterápico Federal, na distante fazenda de Manguinhos, Oswaldo Cruz não mediu esforços para materializar um sonho aparentemente irrealizável: construir um monumental castelo para abrigar a nova e incipiente ciência brasileira.

A tarefa não era fácil. A fazenda de Manguinhos, na freguesia (como eram denominados os bairros) de Inhaúma, havia sido ocupada até o final do século 19 por fornos de incineração do lixo da cidade. A partir de 1900, já destinada pelo governo para o funcionamento do Instituto Soroterápico Federal, após um surto de peste bubônica, a fazenda era de fato um terreno longínquo e extenso, em meio a mangues, com algumas edificações precárias, de difícil acesso. No entanto, por sua extensão e distância do centro da cidade, configurava-se como espaço adequado à instalação de laboratórios e à produção de soros antipestosos contra a doença, até então importados pelo governo federal.

 

Acessando o link para as fotografias de aspectos da construção do Castelo da Fiocruz que estão disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Nessa época, a freguesia de Inhaúma contava com três estações da Cia. Leopoldina Railway – Bonsucesso, Ramos e Olaria. O acesso à fazenda de Manguinhos se dava por terra e também pela Baía de Guanabara, onde uma enseada levava ao pequeno cais, construído para o desembarque dos funcionários do Instituto. O acesso por trem foi possível após a abertura da Estação do Amorim, depois rebatizada de Estação Oswaldo Cruz e, posteriormente, de Manguinhos, como está até hoje.´

 

 

Em resumo histórico sobre a fundação do Instituto, o arquivista Albino Taveira escreveu, no ano de 1941:

“Os trens eram raros. Quem não estivesse na Estação à hora marcada teria que vir a pé pelo leito da via férrea. Durante as marés baixas, surgiam dos esconderijos dos caranguejos grandes quantidades de mosquitos. Na fazenda não havia gás nem eletricidade” (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 1947).

No mesmo relato, Albino destaca as palavras de Henrique Aragão, em conferência realizada por este em São Paulo, em 1940, com o tema “Oswaldo Cruz e a escola de Manguinhos”:

“Na vetusta fazenda abandonada há somente duas pequenas casas baixas, meio arruinadas, sobre colinas, as quais foram adaptadas muito rapidamente para os futuros laboratórios, todos bastante acanhados. Ao soar o meio-dia, suspende-se o labor para o almoço, na estreita varanda da casinha da fazenda. A mesa está posta sobre uma meia porta, que se apoia sobre duas barricas vazias e é coberta parcialmente com uma toalha grosseira, havendo dois longos bancos de madeira de cada lado para os convivas sentarem. Todos se apressam porque a comida não é muito abundante: uma clássica galinha ensopada com batatas, arroz, pão e, para terminar, algumas bananas e café ralo. Quem se atrasar só encontra ossos e traços de arroz (…) uns 20 minutos depois já o trabalho recomeça intenso embora os estômagos não estejam muito satisfeitos” (ARAGÃO apud FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 1947).

À frente da direção do Instituto, em 1900, estava o Barão de Pedro Afonso, diretor do Instituto Vacínico Municipal, que contratou os jovens médicos Oswaldo Cruz, Henrique de Figueiredo Vasconcelos e Ismael da Rocha, e o estudante Antônio Cardoso Fontes, para iniciar os trabalhos. Em 1902, Pedro Afonso é exonerado do cargo e Cruz assume o posto, elevando o Instituto a um novo patamar, que incluía não apenas a fabricação de produtos biológicos, mas também a realização de pesquisas biomédicas e o ensino da microbiologia. O modelo seguido pelo cientista, hábil administrador da ciência, era o Instituto Pasteur de Paris, onde havia cursado, por dois anos, sua especialização em microbiologia, soroterapia e imunologia.

A partir de então, as duas casas já existentes no terreno da fazenda foram reformadas para acolher os laboratórios, e também construídos uma cocheira, um biotério e uma enfermaria para cavalos, além de outra casa para servir como dormitório e depósito de cereais e forragens (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ, 1990, p. 99). Depois que Oswaldo Cruz assumiu em definitivo o Instituto Soroterápico Federal, e a chefia da Diretoria Geral de Saúde Pública, em 1903, a fazenda se transformou em um imenso canteiro de obras.

 

 

 

As escavações para o alicerce do edifício central sonhado por Cruz, o pavilhão mourisco – ou o memorável “castelo” – foram iniciadas em 1905. O projeto definitivo, maior que o original desenhado por seu construtor, o engenheiro português Luiz Moraes Junior, data de 1908, ano que coincide com a finalização das obras da estrutura do prédio. Em 1910, embora as obras continuassem, o castelo já era ocupado pelos pesquisadores, sendo finalmente concluído em 1918, coroando com êxito o ambicioso projeto de seu idealizador.

Ao todo, o prédio soma 1.517 m2 de área construída, com materiais em grande parte importados da Alemanha, França, Inglaterra e Portugal, e uso de modernas técnicas construtivas. “Com certeza, nenhum outro edifício do Rio de Janeiro – e talvez do país – se igualava a este pavilhão em sofisticação tecnológica”. (Idem, p. 114)

 

O contexto

 

Uma ideia, um projeto, não se realiza de forma isolada. Concorre para o seu desfecho uma série de fatores, que em determinado momento se convergem e associam para concretizar o objetivo inicial de seu idealizador, ou idealizadores. Com o Castelo da Fiocruz, como foi batizado o pavilhão mourisco, não foi diferente.

No alvorecer de 1900, o Rio de Janeiro era uma cidade em conflito com a contemporaneidade, na acepção das elites. Se, por um lado, convivia-se com práticas sociais consideradas anacrônicas, típicas de um centro ainda colonial, as reformas – urbana (o “bota-abaixo”) e sanitária (campanhas contra a febre amarela, varíola e peste bubônica) empreendidas por Pereira Passos e Oswaldo Cruz, respectivamente, espelhavam um cotidiano tributário da incipiente modernidade. A grande imprensa saudava a nova fase com a sugestiva alcunha de “Regeneração”. Segundo Nicolau Sevcenko, a expressão era por si só esclarecedora do espírito que presidiu esse movimento de destruição da velha cidade, para complementar a dissolução da velha sociedade imperial, e de montagem da nova estrutura urbana. Pereira Passos [prefeito do Rio, grifo meu] atacou algumas tradições cariocas. Proibiu a venda ambulante de alimentos, o ato de cuspir no chão dos bondes e a exposição de carnes na porta dos açougues, assim como uma série de outros costumes “bárbaros” e “incultos” (SEVCENKO, 1983, pp. 31-57).

No cenário urbano, o combate às epidemias havia reforçado a importância de se estender e aprofundar as pesquisas e o investimento em campanhas sanitárias, alvos prioritários da Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP), sob a direção do cientista (1903-1906). Consagrado internacionalmente pelo sucesso alcançado no Rio, Oswaldo Cruz converteu-se em herói nacional, o que deu impulso à posterior transformação do Instituto Soroterápico Federal em Instituto de Patologia Experimental (1907) e, finalmente, em Instituto Oswaldo Cruz (1908).

No cenário nacional, Cruz e os médicos de seu grupo (Belisário Penna e Carlos Chagas) iniciaram expedições ao interior do Brasil, incluindo 30 portos marítimos e fluviais de Norte a Sul do país, para estabelecer um código sanitário com regras internacionais, a fim de erradicar doenças que mortificavam milhares de brasileiros, como a malária e a febre amarela. A partir da intensificação das expedições científicas empreendidas, “a saúde pública como base para a construção da nacionalidade permitiu que fosse abandonada a tese da inferioridade racial do brasileiro” (OLIVEIRA, 1990, p. 146).

Naquele momento, ao contrário do que acontecia no cenário econômico, em que o Brasil vivia uma economia agroexportadora dependente da importação de tecnologia e técnicas europeias para a criação de portos e ferrovias, Cruz fez do IOC um centro de pesquisa autossustentável, complexo, capaz de produzir ciência autonomamente. “A institucionalização da medicina experimental requereu a adaptação do modelo (o Instituto Pasteur) à realidade econômica e social do país e, sobretudo, a superação das barreiras políticas e culturais que bloqueavam um projeto de autossuficiência científica”, explica Jaime Benchimol (BENCHIMOL, 1990, p. 13).

A autonomia do IOC foi conquistada, segundo o pesquisador, no calor da euforia que marcou a reforma e o saneamento da capital federal. “Seguindo um curso independente, manteve em nível elevado sua produtividade científica, tornou-se celeiro dos quadros que iriam impulsionar as instituições regionais de medicina e saúde e afirmou-se como o baluarte de um novo projeto sanitarista” (Idem, 1990, pp. 71-72). Com os alicerces fincados, portanto, faltava ao IOC edificar uma sede à altura de sua relevância.

 

O construtor

 

Quatro anos de diferença e um oceano separavam Oswaldo Cruz, nascido em São Luís do Paraitinga, São Paulo, em 1872, e Luiz Moares Junior, nascido em 1868, em Faro, Portugal, antes do encontro fortuito entre ambos, em 1902, no trem da Leopoldina que levava Cruz ao IOC e Moraes à igreja da Penha. Recém chegado de Portugal, o engenheiro havia sido convidado pelo vigário da igreja para realizar obras de reforma e embelezamento externo no prédio e de construção das duas torres hoje existentes. Depois do encontro, a vida profissional deles tomaria um rumo surpreendente.

Com argúcia e imenso talento construtor, Luiz Moraes Junior equacionou duas qualidades essenciais para a construção do complexo arquitetônico de Manguinhos – planos arquitetônicos baseados em extensos e minuciosos cálculos matemáticos. Não à toa, Cruz “abriu-lhe as portas da comunidade médica da capital, possibilitando a Luiz Moraes assinar projetos de grande envergadura, como os da sede da Policlínica, na Avenida Central, e da Faculdade de Medicina, na Praia Vermelha” (Idem, 1990, p. 173).

Durante os sete anos em que Oswaldo Cruz permaneceu à frente da DGSP (1903-1909) e os 15 em que dirigiu o instituto batizado com seu nome (1902-1917), Luiz  Moraes Junior pôde acumular uma experiência notável num campo muito especializado da construção civil: o das edificações laboratoriais, sanitárias e hospitalares (Idem, p. 173).

A primeira geração de prédios projetados e construídos em Manguinhos por Moraes – pavilhão mourisco, cavalariça, pavilhão da peste, aquário e pombal – foram edificados a partir do permanente intercâmbio entre ele e Cruz. O construtor transformava os esboços e intenções do cientista em plantas finais, que calculava e executava com profissionais de sua confiança. Somam-se a essas edificações o Hospital Oswaldo Cruz (atual Instituto Nacional de Infectologia), o quinino e o pavilhão vacinogênico, construídos após a morte de Cruz, em 1918, na gestão de Carlos Chagas (Idem, 1990, p. 105).

 

 

O complexo arquitetônico de Manguinhos, realizado por Moraes, foi exibido na Exposição de Higiene realizada em Berlim, em 1907:

Ao lado dos trabalhos do instituto, dos gráficos e tabelas da Saúde Pública, figuraram na exposição plantas, fotografias e maquetes dos prédios projetados ou já executados por ele, incorporando os mais modernos preceitos arquitetônicos aplicáveis à construção de laboratórios, hospitais e equipamentos sanitários, em consonância com a higiene e a medicina pasteuriana. (Idem, p. 174)

Luiz Moraes Junior viveu os últimos anos de sua vida em Petrópolis, sendo responsável pelo projeto do prédio do jornal Tribuna de Petrópolis e do Grande Hotel, até hoje existentes. Faleceu aos 87 anos, em 15 de julho de 1955, deixando como maior legado o edifício símbolo da Fundação Oswaldo Cruz, o Castelo de Manguinhos, que, em 2018, completa 100 anos de sua conclusão.

 

 * Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime L. (Coord.) Manguinhos do sonho à vida: a ciência na Belle Époque. Rio de Janeiro. Casa de Oswaldo Cruz, 1990.

FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ. CASA DE OSWALDO CRUZ. Resumo histórico da fundação do Instituto Soroterápico Federal, hoje Instituto Oswaldo Cruz. Coletânea organizada pelo arquivista Albino Taveira. Rio de Janeiro, COC, 1947.

OLIVEIRA, Lúcia Lippi. A questão nacional na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1990, p. 146

SEVCENKO, Nicolau. Literatura como missão: tensões sociais e criação cultural na Primeira República. São Paulo: Brasiliense, 1983.

 

Link para o artigo Pavilhão Mourisco: desafios para sua preservação, de Carla Maria Teixeira Coelho, Elisabete Edelvita Chaves da Silva e Rosana Soares Zouain, publicado na revista História, Ciência, Saúde- Manguinhos vol 27 nº 2 Abril/Junho 2020**

Link para o artigo A Casa da Ciência, publicado na Revista Shell, nº 66, de 1954***

 

**Este link foi acrescentado ao artigo em 14 de setembro de 2020.

***Este link foi acrescentado ao artigo em 5 de fevereiro de 2021.

O cientista Oswaldo Cruz (1872 – 1917), prefeito de Petrópolis

 

 

Cristiane d’Avila com a colaboração de Ana Luce Girão*

 

 

Em 2017, por ocasião do centenário de morte de Oswaldo Cruz (1872 – 1917), a Fiocruz instituiu o Ano Oswaldo Cruz, com o objetivo de divulgar para a sociedade a história do cientista e daquele que pode ser considerado seu maior legado: firmar uma instituição científica em um país recém-saído da escravidão, economicamente dependente e com profundas desigualdades sociais e regionais[1]. Para lembrar a data, contamos alguns detalhes sobre os últimos dias de vida de Oswaldo Cruz, que, mesmo gravemente doente, aceitou o desafio de realizar um projeto ambicioso: um extenso plano de urbanização e organização do serviço sanitário na cidade de Petrópolis, considerada refúgio de boa parte da elite do Rio de Janeiro, capital da República, no início do século XX.

Não era qualquer cidade. Quando o presidente do Estado do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha (1867 – 1924), convidou Oswaldo Cruz para assumir a recém-criada prefeitura de Petrópolis, em 1916, dava a ele um cargo à altura do cientista. Residência de todo o corpo diplomático durante o ano e da elite política, financeira e intelectual da capital na estação calmosa, o verão – quando o presidente da República se deslocava do Rio para o pomposo Palácio Rio Negro –, Petrópolis vivia um momento político conturbado.

Na imprensa carioca e petropolitana os articulistas não se cansavam de denunciar a “politicagem”, atrelada ao maquinismo político-eleitoral, que impedia o progresso da “princesa do Piabanha”, entre as inúmeras alcunhas atribuídas à bela cidade serrana. Acusado de nada fazer pela população além de cobrar-lhe impostos, o grupo majoritário, organizado na Câmara Municipal, não via com bons olhos a decisão unilateral do governo fluminense, que impusera a criação da prefeitura e oferecera o cargo ao ilustre higienista.

Em contrapartida, Oswaldo Cruz, consagrado nacional e internacionalmente pela campanha empreendida contra a febre amarela, varíola e peste bubônica, iria somar à urbe, célebre pela beleza e salubridade, mais que o reconhecimento como destino privilegiado para o lazer da elite carioca. Escolhera-a como alvo de um novo e ambicioso projeto de trabalho, que incluía ações de saneamento, urbanização e educação pública.

Bastante debilitado pela nefrite que o acometera ainda jovem, o cientista decidiu acatar a recomendação do médico Salles Guerra e, mesmo contrariado, se afasta da dura rotina no Instituto Soroterápico Federal, nessa época já denominado Instituto Oswaldo Cruz. Nilo Peçanha o havia indicado para assumir a prefeitura de Petrópolis e o filho Bento (1895 – 1941) reforçava o coro, insistindo para que o pai se mudasse para a residência de veraneio da família na cidade, na rua Montecaseros, em busca do tão necessário repouso. Para não arrefecer os ânimos do cientista, ofereciam a ele não apenas o cargo político, mas uma nova frente de trabalho, um novo desafio, tão ao gosto de seu temperamento.

Imbuído da missão, Oswaldo, com o filho Bento e Salles Guerra, toma um barco a vapor no cais Pharoux, atual Praça XV, e em pouco mais de uma hora chega ao porto localizado no fundo da Baía de Guanabara. De lá embarca nos vagões da Estrada de Ferro Mauá, que conduziam os passageiros até a Raiz da Serra. Daquele ponto em diante, o trem subia a serra pelo moderno sistema de cremalheira até o lugar denominado Alto da Serra, onde atualmente fica a Rua Teresa.

O percurso completo, que no passado recente levava quatro horas, naquele ano já era percorrido em cerca de duas. Sem perder tempo, no dia 17 de agosto Cruz toma posse e, no dia 18, apresenta seu plano de ação para a prefeitura. Em carta ao colega Cândido Martins, chefe interino do executivo municipal que o convidara para o cargo, pede discrição e nenhuma pompa na ocasião da posse:

‘Meu ilustrado colega Dr. Candido Martins,

Aqui me acho à sua disposição pronto assumir o cargo de Prefeito. Se me fosse permitido esperar de sua gentileza um obsequio eu rogaria a meu simpático e generoso colega o favor especialíssimo de me dar posse da mais absoluta intimidade e sem a menor solenidade. Se for possível, hoje e nesse caso rogo o obsequio de comunicar ao portador deste – meu filho e nosso colega Bento Cruz – a hora em que deverei comparecer a Prefeitura para receber suas ordens. Estou certo que não me negará o solicitado aqui e aguardando ancioso (sic) sua resposta afirmativa peço aceitar os protestos da mais viva simpatia e distinta consideração do colega muito grato.

Ass. Gonçalves Cruz’

O articulista do jornal petropolitano Diário da Manhã, em edição de 6 de agosto de 1916, assim definiu a indicação de Cruz ao posto: “… para restituir a ordem e a moralidade administrativa, que de Petrópolis foram desgraçadamente expulsas… e arrancar a gestão dos negócios da municipalidade à faminta voracidade e à ingenuidade inepta de seus gestores”. Nomeado, Oswaldo Cruz apresenta seu amplo projeto, contendo 26 objetivos, com propostas de intervenção em inúmeras frentes, do embelezamento da cidade ao saneamento financeiro das contas públicas, da urbanização à gestão da saúde e da educação infantil.

As medidas propostas, no entanto, causaram imenso reboliço em parte da Câmara Municipal, que passou a organizar manifestações em frente à casa do prefeito, cujo estado de saúde se agravava progressivamente. Em janeiro, Oswaldo Cruz afasta-se por tempo indeterminado do trabalho, mas sua licença médica não atenua as manifestações. “Latas de querosene e gritos da ralé, que num ofertório de gentilezas de hienas excitadas vinha trazer ao ex-prefeito o testemunho do seu regozijo pela provável restituição do governo municipal à camarilha que o explorava”, relata o médico e contemporâneo de Cruz, Ezequiel Dias.

Após intenso processo de sofrimento causado pela moléstia, Oswaldo Cruz entra em coma, vindo a falecer no mesmo dia, em 11 de fevereiro de 1917, aos 44 anos, em sua casa de Petrópolis. Suas “Ideias e Projetos”, como definiu o plano para a gestão da cidade, não chegaram a sair do papel, ao menos exatamente como programou. São eles:

Ideias e Projetos

Petrópolis – 18 de agosto de 1916

- Encampação do Banco Construtor

- Encampação da Fazenda Imperial e resgate dos foros pelos proprietários

- Imposto (2$000 por metro) sobre terrenos devolutos

- Desenhista de jardins

- Preparo de gás pobre com lixo e produção de energia elétrica para os britadores e oficinas

- Aquisição e manutenção de condução para o Prefeito e Inspetor de Obras

- Rede de esgotos

- Substituição na prefeitura das carroças de tração animal por automóveis

 – Regulamentação e fiscalização da venda do leite

- Organização do serviço sanitário

- Barragem dos rios e revestimento do alvéo com seção ovoide – formação de quedas d´água em degraus

- Formação dum lago à feição do Bois em Serpentina

- Construção de um edifício de Diversões

- Bondes – linha circular Castelânea Alto da Serra

- Rosário

- Plantio de flores nas margens dos rios

- Organização do ensino primário

- Fiscalização do ensino de Português nas escolas estrangeiras

- Museu histórico do Império e Jardim Botânico no Palácio Imperial

- Parque para ginástica das escolas e educação física obrigatória para todos colégios

- Calçamento de macadame asfaltado e interlinha dos bondes a paralelepípedos

- Estatística da população e índice de analfabetismo

- Revisão do imposto predial

- Repressão da mendicância e criação de asilos para mendigos

- Matadouro e laboratório

 

Reprodução da carta enviada por Oswaldo Cruz ao sr. Cândido Martins, em 17 de agosto de 1916:

fiocruz

 

Saiba mais sobre Oswaldo Cruz acessando a Biblioteca Virtual Oswaldo Cruz.

 

* Cristiane  d’Avila é jornalista e Ana Luce Girão é historiadora do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz)

 

Fontes:

 

Casa de Oswaldo Cruz. Carta de Oswaldo Cruz para Cândido Martins. Dossiê BR RJCOC OC-PET-01, Fundo Oswaldo Cruz, 1916.

___________________. Diário da Manhã, Petrópolis, 6 de agosto de 1916. Dossiê BR RJCOC OC-PET-01, Fundo Oswaldo Cruz, 1916.

___________________. Ideias e projetos. Dossiê BR RJCOC OC-PET-01, Fundo Oswaldo Cruz, 1916.

D’AVILA. Cristiane. Fantasia na serra: representações de Petrópolis na mídia impressa. 2005. 120 f. Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) – Departamento de Comunicação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, PUC-RIO. Rio de Janeiro.

GUERRA, E. Salles. Oswaldo Cruz. Rio de Janeiro: Casa Editora Vecchi Limitada, 1940.

 

[1] Texto extraído do cartaz digital de divulgação da palestra “Ciência, saúde e projeto nacional: o legado de Oswaldo Cruz”, promovida e realizada em 9 de novembro de 2017 pela Fundação Casa de Rui Barbosa, pelo centenário de morte de Oswaldo Cruz.

 

Pequena cronologia de Oswaldo Cruz desde sua nomeação à prefeitura de Petrópolis até sua morte

 Andrea C. T. Wanderley**

1916

julho 

Oswaldo Cruz foi nomeado prefeito de Petrópolis por Nilo Peçanha. Foi pelo jornal O Paiz  como um homem de ciência em que a cultura brasileira se orgulha, saneador benemérito do Rio de Janeiro, criador de Manguinhos, membro da Academia Brasileira e uma das mais altas, complexas e belas figuras nacionais (O Paiz, 31 de julho de 1916, quinta coluna). No mesmo dia e no mesmo jornal, sua nomeação à prefeitura de Petrópolis foi o tema da coluna “Pall-Mall-Rio”, escrita por José Antônio José, o João do Rio (1881 – 1921) (O Paiz, 31 de julho de 1916, última coluna).

agosto

A nomeação de Oswaldo Cruz para a prefeitura de Petrópolis é elogiada e saudada em coluna semanal da revista O Malho como um ato que o povo recebe com um sorriso de satisfação, só por ver a cara com que ficam os inventores de negociatas e os politiqueiros contumazes (O Malho, 5 de agosto de 1916, segunda coluna).

Oswaldo Cruz esteve no gabinete do ministro da Justiça, Carlos Maximiliano Pereira dos Santos (1873 – 1960) (O Paiz, 2 de agosto, quinta coluna).

Oswaldo Cruz e o governador do Rio de Janeiro, Nilo Peçanha, estiveram em Petrópolis (O Paiz, 2 de agosto de 1916, última coluna).

Oswaldo Cruz telegrafou ao senador José Leopoldo de Bulhões Jardim (1856 – 1928) informando que não poderia tomar posse na prefeitura de Petrópolis em 8 de agosto por estar enfermo (O Paiz, 7 de agosto de 1916, última coluna). Foi o senador Bulhões que sucedeu Oswaldo Cruz na prefeitura de Petrópolis, em fevereiro do ano seguinte.

Devido ao impedimento de Oswaldo Cruz, o sr. Cândido José Ferreira Martins, na época vice-presidente da Câmara Municipal de Petrópolis, assumiu a prefeitura da cidade (O Paiz, 10 de agosto de 1916, terceira coluna).

Em nome de Venceslau Brás (1868 – 1966), presidente da República, Helio Lobo, secretário da presidência, fez uma visita a Oswaldo Cruz, que continuava doente (O Paiz, 11 de agosto de 1916, segunda coluna). No dia seguinte, Oswaldo Cruz recebeu a visita de Arthur Obino em nome do ministro da Justiça (O Paiz, 12 de agosto de 1916, segunda coluna). Quatro dias depois, Cruz visitou o ministro da Justiça em agradecimento à visita de Obino (O Paiz, 17 de agosto de 1916, primeira coluna).

Oswaldo Cruz foi eleito vice-presidente da recém criada Academia Brasileira de Ciências, presidida por Henrique Morize (1860 – 1930) (O Paiz, 17 de agosto de 1916, última coluna). O francês naturalizado brasileiro Henri Charles Morize ou Henrique Morize era engenheiro e astrônomo. Além de ter sido o primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências, de 1916 a 1926, foi também diretor do Observatório Nacional entre 1908 e 1929. Em torno de 1897, realizou experiências cinematográficas com o fotógrafo Marc Ferrez (1843 – 1923) e com Tasso Fragoso (1869 – 1945), na época aluno da Escola Militar e posteriormente general.

Foi publicada a notícia de que Oswaldo Cruz já estava completamente restabelecido da enfermidade que o acometera (O Paiz, 18 de agosto de 1916, quarta coluna).

Finalmente, em 18 de agosto, Oswaldo Cruz assumiu a prefeitura de Petrópolis. Cândido José Ferreira Martins expôs a ele a situação financeira do município e os trabalhos que havia executado. Foi então feito um balanço no cofre da tesouraria e um termo foi assinado por Oswaldo Cruz, Cândido Martins, Arthur Barbosa e por mais três funcionários. A posse de Oswaldo Cruz não se revestiu de solenidade como era desejo da maioria dos vereadores por ter o mesmo solicitado a mais absoluta intimidade em carta dirigida ao prefeito interino, Cândido Martins. Acompanhado por ele e por Arthur Barbosa, Cruz visitou todas as seções da administração municipal e depois telegrafou a Nilo Peçanha, informando ter assumido a prefeitura de Petrópolis. Foi apresentado a todo o funcionalismo da cidade pelo coronel José Land. Também recebeu vários telegramas, cartas e visitas pessoais (O Paiz, 20 de agosto de 1916, segunda coluna e Gazeta de Notícias, 20 de agosto de 1916, última coluna).

Oswaldo Cruz convocou o conselho de vereadores de Petrópolis para uma reunião extraordinária em 1º de setembro. Entre as medidas da convocação, encontram-se a criação do imposto de testada, autorização para contrair um empréstimo e para fazer operações de crédito(O Paiz, 26 de agosto de 1916, última coluna).

setembro

Oswaldo Cruz foi visitado pelos vereadores Cândido Martins e Arthur Barbosa ficando combinada a instalação do Conselho na próxima semana (O Paiz, 3 de setembro de 1916, segunda coluna).

Foi convocado para comparecer à primeira reunião do diretório central da Liga da Defesa Nacional. Ele era um dos 50 membros do diretório (O Paiz, 7 de setembro de 1916, quarta coluna). A Liga da Defesa Nacional foi fundada em 7 de setembro de 1916 por um grupo de intelectuais, dentre eles Rui Barbosa (1849 – 1923), Pedro Lessa (1859 – 1921) e Olavo Bilac I(1865 – 1918), que sintetizava a ação da associação como um apostolado de civismo e patriotismo.

Foi instalada a Câmara Municipal de Petrópolis convocada por Oswaldo Cruz. O sr. Roldão Barbosa, como secretário da sessão, leu a mensagem do prefeito, datada de 4 de setembro de 1916, abordando a contração de empréstimos, a criação de impostos e a execução de operações de crédito. O vereador Joaquim Moreira ocupou a tribuna e declarou que o Partido Municipal, que presidia, aceitou o ato do governo em criar a prefeitura de Petrópolis porque foi nomeado um homem superior para ocupá-la, Oswaldo Cruz. O vereador Sá Earp declarou-se contrário à criação da prefeitura de Petrópolis, cuja justificativa teria sido a restauração da estrada União e Indústria (O Paiz, 12 de setembro de 1916, primeira coluna).

Na coluna “Sorrisos e frivolidades”, da Revista da Semana, um veranista de Petrópolis mostrou-se entusiasmado com as propostas de mudanças feitas por Oswaldo Cruz para a cidade (Revista da Semana, 30 de setembro de 2016, primeira coluna).

outubro

Oswaldo Cruz foi receber os médicos Carlos Chagas (1879 – 1934) e Figueiredo Rodrigues, delegados do Brasil no Congresso Médico e na Conferência de Microbiologia e Parasitologia realizadas em Buenos Aires, que chegaram ao Rio de Janeiro a bordo do paquete “Voltaire” (O Paiz, 11 de outubro de 1916, segunda coluna).

Ocupando um lugar de honra, Oswaldo Cruz participou do banquete oferecido pela classe médica a Carlos Chagas  (1879 – 1934), no Salão Assyrius do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (O Paiz, 22 de outubro de 1916, primeira coluna).

novembro

Foi noticiado que Oswaldo Cruz iria à festa em benefício da Associação da Mulher Brasileira, realizada no Teatro Municipal (O Paiz, 2 de novembro de 1916, segunda coluna).

Na Câmara Municipal de Petrópolis, Oswaldo Cruz leu uma mensagem sobre a proposta de orçamento para o ano de 1917 acompanhada de ligeira exposição sobre o estado de diversos serviços (Jornal do Commercio, 17 de novembro de 1916, sexta coluna).

Presidiu o banquete oferecido ao cientista Arthur Neiva (1880 – 1943), no Salão Assyrius do Teatro Municipal do Rio de Janeiro (Gazeta de Notícias, 19 de novembro de 1916, sexta coluna). A revista Fon-Fon, de 2 de dezembro de 1916, publicou uma fotografia do evento.

Por falta de quórum não houve sessão na Câmara Municipal de Petrópolis, mas as comissões de Fazenda e Justiça se reuniram e discutiram os assuntos abordados na mensagem do prefeito Oswaldo Cruz. Participaram dos debates Sá Earp, Arthur Barbosa, Modesto Guimarães e Domingos Nogueira. Pediram mais informações ao prefeito. Dentre algumas decisões, resolveram negar a criação do imposto de testada (O Paiz, 19 de novembro de 1916, segunda coluna).

 

 

Por proposta do professor Miguel Couto (1865 – 1934), presidente da Academia Nacional de Medicina, foi criada uma comissão para estudar medidas profiláticas no combate de algumas doenças e Oswaldo Cruz foi um dos nomeados para integrar o grupo, Os outros integrantes seriam Afrânio Peixoto (1876 – 1947), Carlos Chagas (1879 – 1934), Carlos Seidl (1867 – 1929) e Miguel Pereira (1871 – 1918) (Jornal do Commercio, 1º de dezembro de 1916, quinta coluna).

dezembro

Oswaldo Cruz sancionou e promulgou a Deliberação nº 6 sobre averbação de prédios e transferências de comerciais e industriais em Petrópolis (Jornal do Commercio, 12 de dezembro de 1916, penúltima coluna).

 

 

De acordo com o prefeito Oswaldo Cruz, seria levantado um monumento em homenagem ao fundador da cidade de Petrópolis, Julio Frederico Koeler (1804 – 1847), na Praça da Liberdade. Informou, também, que brevemente seria lançada a pedra fundamental do monumento (Gazeta de Notícias, 19 de dezembro de 1916, última coluna).

 

1917 

janeiro

Oswaldo Cruz agradeceu ao governo do estado do Rio de Janeiro o material e o serviço do Corpo de Bombeiro com que a administração fluminense acaba de dotar Petrópolis (A Época, 6 de janeiro de 1917, terceira coluna).

Foi noticiado um boato sobre o estado de saúde e a iminente saída de Oswaldo Cruz da prefeitura de Petrópolis (A Época, 25 de janeiro de 1917, terceira coluna).

Oswaldo Cruz está doente. Tasso Fragoso (1869 – 1945), chefe da Casa Militar da Presidência foi visitá-lo a mando do presidente da República, Venceslau Brás (O Paiz, 27 de janeiro de 1917, quinta coluna). E João Pedroso de Albuquerque, secretário do Dr. Cruz foi visitar o presidente, no Palácio do Rio Negro, em Petrópolis (A Época, 27 de janeiro de 1917, terceira coluna).

Em 31 de janeiro, devido a seu estado de saúde, Oswaldo Cruz solicitou uma licença da prefeitura de Petrópolis  ao governo do Rio de Janeiro. Foi deferida. Segundo consta, o Dr, Oswaldo Cruz fará uma viagem, a fim de iniciar um rigoroso tratamento de sua saúde profundamente abalada (O Paiz, 1º de fevereiro de 1917, quarta coluna).

fevereiro

O senador Leopoldo de Bulhões (1856 – 1928) assumiu a prefeitura de Petrópolis (O Paiz, 2 de fevereiro de 1917, quarta coluna).

Foi noticiada uma piora no estado de saúde de Oswaldo Cruz (O Paiz, 7 de fevereiro de 1917, sexta coluna). Outras notícias sobre a doença de Oswaldo Cruz foram publicadas (A Época, 7 de fevereiro de 1917, quinta coluna da primeira página e segunda coluna da página 4).

Aos 44 anos, Oswaldo Cruz faleceu de nefrite, em Petrópolis. O Brasil não pode aquilatar devidamente o infortúnio que é para a Nação, para a América e para a humanidade inteira a morte do grande sábio Oswaldo Cruz (O Paiz, 12 de fevereiro de 1917). Na edição de A Época, também do dia 12 de fevereiro, ele foi saudado como um facho de farol, que rasga a escuridão da noite. E fulgiu. Iluminou logo.

 

 

Segundo a Revista da Semana, tanto a guerra, que priva o corpo diplomático de associar-se às festas, como a morte recente do Dr. Oswaldo Cruz, prefeito de Petrópolis, contribuem para que decline a animação do carnaval (Revista da Semana, 17 de fevereiro de 1917).

 

 

O importante músico cearense Alberto Nepomuceno (1864 – 1920) compôs a Ode a Oswaldo Cruz (6:03), sobre poema de Osório Duque Estrada. A obra pode ser escutada no episódio Ode a Alberto Nepomuceno,  do programa “Prelúdios”, de Arthur Dapieve, transmitido pela Rádio Batuta, em 24 de março de 2019. Inácio de Nonno (voz), Coral Brasil Ensemble da UFRJ, regido por Maria José Chevitarese, e Claudia Feitosa (piano). É a quinta obra executada ao longo do programa, na marcação -24:56. Clique aqui.**

 

 

 

**Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

*** Informação acrescida ao artigo em 28 de abril de 2019.