Série “O Rio de Janeiro desaparecido” XXVI – Conclusão do arrasamento do Morro do Castelo por Augusto Malta

O Morro do Castelo já foi tema de um artigo da Brasiliana Fotográfica, publicado em 30 de abril de 2019, Série “O Rio de Janeiro desaparecido” VIII – A demolição do Morro do Castelo. Hoje o portal volta ao assunto com a publicação de 18 fotografias, recentemente inseridas no nosso acervo fotográfico, da conclusão do arrasamento do Morro do Castelo produzidas pelo alagoano Augusto Malta (1864 – 1957), que foi o fotógrafo oficial da prefeitura do Rio de Janeiro, de 1903 a 1936, e o principal fotógrafo da transformação urbana carioca nas primeiras décadas do século XX, período de grandes mudanças na cidade, dentre elas uma importante intervenção na paisagem natural carioca: justamente a demolição do Morro do Castelo.

 

 

O Morro do Castelo representava o passado colonial do Rio de Janeiro e era parte da história de sua própria fundação, ocorrida em 1565, no Morro Cara de Cão. A cidade foi reinstalada, dois anos depois, no Morro do Castelo, então denominado Morro do Descanso. A escolha do ponto, da onde se via a Baía de Guanabara, sua porta de entrada, foi estratégico para a defesa da cidade em caso de possíveis futuros ataques. Murado e fortificado, o Rio de Janeiro no Morro do Castelo passou a abrigar a Casa do Governador, a Casa da Câmara, a Cadeia, o Colégio dos Jesuítas, o Convento dos Capuchinhos, armazéns e igrejas, dentre elas a Igreja de São Sebastião, inaugurada, em 1583, mesmo ano em que os restos mortais de Estácio de Sá (1520 – 1567), fundador do Rio de Janeiro, foram trasladados para lá. A última missa na Igreja de São Sebastião foi celebrada em 1º de novembro de 1921. Esses prédios formavam um importante conjunto arquitetônico, destruído, entre 1921 e 1922, com o arrasamento do Morro do Castelo. O acesso ao morro era feito a partir da Ladeira da Misericórdia.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias da conclusão do arrasamento do Morro do Castelo produzidas por Augusto Malta e disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

 

O Morro do Castelo tinha 63 metros de altura, ocupava uma área de cento e oitenta e quatro mil metros quadrados e seus limites eram as atuais avenida Rio Branco (antiga avenida Central), as ruas Santa Luzia, Misericórdia e São José.

Já em 1838, os engenheiros militares Conrado Niemeyer (1831 – 1905) e Pedro Bellegarde (1807 – 1864) defendiam em um projeto o desmonte do Morro: “Edifícios nobres deverão um dia substituir aquele morro; e o navegante que demandar o importante porto capital do Brasil receberá na sua entrada a agradável impressão da vista de toda a cidade, até hoje encoberta a seus olhos pela massa informe do mesmo morro”.

Mas foi em 1904 que parte do Morro do Castelo foi demolida para a construção da Avenida Central, cuja abertura foi uma das principais marcas da reforma urbana realizada por Francisco Pereira Passos (1836 – 1913), o bota-abaixo, entre 1902 e 1906, período em que foi prefeito do Rio de Janeiro. Essas transformações foram definidas por Alberto Figueiredo Pimentel (1869-1914), autor da seção “Binóculo”, da Gazeta de Notícias, com a máxima “O Rio civiliza-se”, que se tornou o slogan da reforma urbana carioca. O morro passou a ter como limites os fundos da Biblioteca Nacional e a Escola de Belas Artes. Quando estavam se realizando as obras para a abertura da avenida, uma galeria foi descoberta e por ela se chegaria a túneis subterrâneos, onde os jesuítas, quando expulsos, em 1759, pelo Marques de Pombal (1699 – 1782), teriam escondido suas riquezas. Essa crença passou a existir no imaginário urbano do Rio de Janeiro, e seus habitantes passaram a temer que a demolição do morro dificultasse a descoberta desses supostos tesouros.

A segunda etapa de sua demolição foi determinada pelo prefeito Carlos Sampaio (1861 – 1930), em 17 de agosto de 1920, quando assinou um decreto que autorizava seu desmonte (Jornal do Brasil, 18 de agosto, quinta coluna). A decisão foi baseada, segundo o governo, na necessidade de higienização e modernização da cidade. O morro foi literalmente por água abaixo, demolido por incessantes jatos d´água. A terra do morro foi usada no aterro da Avenida Beira-Mar, levado até a Ilha de Villegaignon, onde depois foi construído o Aeroporto Santos Dumont; da Lagoa Rodrigo de Freitas e no aterro dos charcos e pântanos do Jardim Botânico.

 

 

A derrubada causou muita polêmica, tendo sido criticada por vários intelectuais como Monteiro Lobato (1882 – 1948) e Lima Barreto (1881 – 1922), porém saudada por personalidades importantes como o sanitarista Belisário Pena (1868 – 1939). Na área deixada por seu desmonte foram construídos pavilhões da Exposição Internacional do Centenário da Independência, aberta em 7 de setembro de 1922. Em setembro de 1921, havia no morro 4200 moradores distribuídos em 408 prédios. Eram trabalhadores e pobres e seriam instalados, inicialmente, em barracos na Praça da Bandeira.

 

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

BARROS, Paulo Cezar de. Onde nasceu a cidade do Rio de Janeiro? ( um pouco da história do Morro do Castelo)Revista geo-paisagem (online ) Vol. 1, número 2, julho/dezembro de 2002

Blog do Jornal do Brasil, 9 de março de 2011

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

LOBATO, Monteiro. Onda Verde. São Paulo: Monteiro Lobato e C., 1921.

MENEZ, Alexssandro. Civilização versus barbárie: a destruição do Morro do Castelo no Rio de Janeiro (1905-1922). Revista Historiador Número 06. Ano 06. Janeiro de 2014.

MOTTA, Marly Silva da. A nação faz cem anos: a questão nacional no centenário da independência. Rio de Janeiro: Editora FGV: CPDOC, 1992.

NONATO, José Antônio Era uma vez o Morro do Castelo. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2000.

PAIXÃO, Cláudia Míriam Quelhas. O Rio de Janeiro e o morro do Castelo: populares, estratégias de vida e hierarquias sociais (1904-1922). Dissertação de mestrado. Niterói: UFF, 2008.

Site do Diário do Rio

Site do CPDOC

 

Links para os outros artigos da Série O Rio de Janeiro desaparecido

 

Série O Rio de Janeiro desaparecido I Salas de cinema do Rio de Janeiro do início do século XXde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de fevereiro de 2016.

Série O Rio de Janeiro desaparecido II – A Exposição Nacional de 1908 na Coleção Família Passos, de autoria de Carla Costa, historiadora do Museu da República, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 5 de abril de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido III – O Palácio Monroe, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica, em 9 de novembro de 2016.

Série O Rio de Janeiro desaparecido IV - A via elevada da Perimetral, de autoria da historiadora Beatriz Kushnir, publicado na Brasiliana Fotográfica em 23 de junho de 2017.

Série O Rio de Janeiro desaparecido V – O quiosque Chopp Berrante no Passeio Público, Ferrez, Malta e Charles Dunlopde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portalpublicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de julho de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VI – O primeiro Palácio da Prefeitura Municipal do Rio de Janeirode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de setembro de 2018.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VII – O Morro de Santo Antônio na Casa de Oswaldo Cruzde autoria de historiador Ricardo Augusto dos Santos da Casa de Oswaldo Cruzpublicado na Brasiliana Fotográfica em 5 de fevereiro de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido VIII – A demolição do Morro do Castelode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portalpublicado na Brasiliana Fotográfica em 30 de abril de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido IX – Estrada de Ferro Central do Brasil: estação e trilhosde autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de novembro de 2019.

Série O Rio de Janeiro desaparecido X – No Dia dos Namorados, um pouco da história do Pavilhão Mourisco em Botafogode autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de junho de 2020.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XI – A Estrada de Ferro do Corcovado e o mirante Chapéu de Sol, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 22 de julho de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XII – o Teatro Lírico (Theatro Lyrico), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 15 de setembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIII – O Convento da Ajuda, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 12 de outubro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIV – O Conselho Municipal, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 19 de novembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XV – A Praia de Santa Luzia no primeiro dia do verão, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 21 de dezembro de 2021.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVI – O prédio da Academia Imperial de Belas Artes, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, publicado na Brasiliana Fotográfica em 13 de janeiro de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVII – Igreja São Pedro dos Clérigos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 18 de março de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XVIII – A Praça Onze, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 20 de abril de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XIX – A Igrejinha de Copacabana, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 23 de junho de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XX – O Pavilhão dos Estados, futuro prédio do Ministério da Agricultura, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 26 de julho de 2022.

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXI – O Chafariz do Largo da Carioca, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 19 de setembro de 2022. 

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXII – A Cadeia Velha que deu lugar ao Palácio Tiradentes, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado na Brasiliana Fotográfica em 11 de abril de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIII e Avenidas e ruas do Brasil XVII A Praia e a Rua do Russel, na Glória, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de maio de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXIV – O luxuoso Palace Hotel, na Avenida Rio Branco, uma referência da vanguarda artística no Rio de Janeiro, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 4 de julho de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXV – O Theatro Phenix, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 5 de setembro de 2023

Série O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e Série Os arquitetos do Rio de Janeiro V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea c. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, em 15 de janeiro de 2024

 

 

Inauguração da estátua equestre de dom Pedro I, na atual Praça Tiradentes

A estátua equestre de dom Pedro I (1798 – 1834), primeira escultura pública do Brasil, foi inaugurada na Praça da Constituição, atual Praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, em 30 de março de 1862 (Diário do Rio de Janeiro, 31 de março de 1862), e uma grande festa cívica aconteceu na cidade para celebrar o evento. Segundo Paulo Knauss, “Esta inauguração consagrou a afirmação da escultura pública no Brasil e instalou uma tradição que atravessou os tempos até os dias de hoje“. A inauguração estava programada para se realizar no dia 25 de março, data da ratificação da Constituição Brasileira de 1824, mas fortes chuvas adiaram o evento para o dia 30 de março (Diário do Rio de Janeiro, 26 de março e 31 de março de 1862). O monumento foi colocado de frente para a Rua da Imperatriz em direção a então sede da Academia Imperial de Belas Artes. Do outro lado, a Rua Sete de Setembro levava até a praça da estátua, estabelecendo a ligação com a sede do governo, que ficava no Largo do Paço.

A ideia do projeto de construção de uma estátua em homenagem a dom Pedro I havia surgido, por iniciativa da Câmara Municipal, em 1825, 38 anos antes da inauguração do monumento. A Brasiliana Fotográfica lembra a efeméride com a publicação de três fotografias da estátua: uma de Augusto Stahl (1828 – 1877), uma de Manoel Banchiere, que nessa época possuía um estabelecimento fotográfico na Rua do Hospício, 104; e uma de Micheles. Na estátua, esculpida pelo francês Louis Rochet (1813 – 1878), que foi agraciado com a comenda Ordem de Cristo, dom Pedro I está proclamando a Independência do Brasil com o Manifesto às Nações na mão (Diário do Rio de Janeiro, 1º de abril de 1862, na primeira coluna).

No monumento, as principais datas da vida do homenageado estão inscritas no gradil: 12 de outubro de 1798 (nascimento) – 6 de novembro de 1817 (casamento com dona Leopoldina) – 9 de janeiro de 1822 (Dia do Fico) – 13 de maio de 1822 (tornou-se Defensor Perpétuo do Brasil) – 12 de outubro de 1822 (aclamação como imperador do Brasil) – 1 de dezembro de 1822 (coroação) – 25 de março de 1824 (ratificação da primeira Constituição Brasileira) – 17 de outubro de 1829 (casamento com dona Amélia). No pedestal, há imagens de animais e indígenas em quatro alegorias dos rios nacionais. A do rio São Francisco traz um indígena sentado perto de uma capivara e de um tamanduá bandeira; a do rio Madeira, é representada por um indígena com arco e flexa em um movimento de disparo junto a uma ave, um peixe e uma tartaruga; a do rio Amazonas mostra uma indígena com uma criança nas costas, um indígena com os pés sobre um jacaré e uma arara; e, finalmente, a do rio Paraná, tem como alegoria um indígena segurando uma flexa e uma indígena. Os brasões das vintes províncias imperiais também estão representados. Abaixo da estátua está escrito “D. Pedro I, gratidão dos brasileiros”.

 

Acessando o link para as fotografias da estátua equestre de dom Pedro I disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

A Câmara Municipal, centro político do movimento de independência no Brasil, lançou o projeto da construção de uma estátua equestre de dom Pedro I, em 1825 (Diário do Rio de Janeiro11 de maio14 de julho17 de outubro8 de novembro  e 9 de novembro de 1925; O Despertador Constitucional, 24 de maio de 1825) .

No dia 13 de maio de 1825, foi solicitada a dom Pedro I permissão para levá-la a efeito:

“Senhor – O Senado da Câmara desta muito leal e heroica cidade do Rio de Janeiro, tendo sido até aqui fiel intérprete dos sentimentos da nação brasileira e executor dos seus desejos em todas as épocas memoráveis da sua feliz emancipação, sondando atualmente a opinião pública, tem penetrado ser sua vontade que a muito leal e poderosa pessoa de V. M. I. se inaugurasse um monumento público que, fazendo recordar a presente e futuras gerações à memória dos altos feitos de V. M., possa ao mesmo tempo servir de eterno padrão da sua sensibilidade e de sua gratidão.

Neste sentir, pois, Senhor, o Senado da Câmara se apressa a rogar a V. M. I. queira benigno permitir-lhe a faculdade de poder dar o primeiro passo para tão augusta e magnânima empresa, lisonjeando-se de a pedir neste feliz aniversário já tão memorável nos fastos da nação.

Digne-se, pois, V. M., acolhendo benignamente a súplica do Senado desta cidade, anuir aos ardentes desejos dele, do povo por quem representa e, sem receio de errar, se pode dizer de todo o povo do Império. – O presidente, Lúcio Soares Teixeira de Gouveia. – Os vereadores, Manuel Frazão de Sousa Rondon, Antônio Gomes de Brito, Lourenço Antônio do Rego. – Procurador interino, José Agostinho Barbosa.”

O Imperador respondeu:

“Acato a lembrança do Senado e agradeço”.

O pintor Jean-Baptiste Debret (1768 – 1848) e o arquiteto Grandjean de Montigny (1776 – 1850), membros da Missão Francesa que havia chegado no Rio de Janeiro em 1816, faziam parte da comissão formada para encarregar-se do plano da estátua equestre. Os artistas e irmãos franceses Zeferino (1797 – 1851) e Marcos Ferrez (1788 – 1850) fizeram parte da lista de subscritos para a construção da estátua do imperador (Diário do Rio de Janeiro, 28 de dezembro de 1825). O homenageado autorizou o projeto e o Campo de Santana, onde ele havia sido aclamado, em 1822, foi escolhido para abrigar o monumento. Porém, a situação política que levou à abdicação do monarca, em 1831, deu fim ao empreendimento, para o qual Grandjean de Montigny (1776 – 1850) já havia preparado dois projetos (Aurora Fluminense, de 11 de abril de 1831).

No fim da década, em 1839, houve uma reunião na casa de Francisco Vilela Barbosa, o marquês de Paranaguá (1769 – 1946), quando formou-se uma comissão para a retomada do projeto da estátua equestre. Além do anfitrião, faziam parte da comissão Paulo José de Mello (1779 – 1848), José Antonio Lisboa (1777 – 1850), Cornélio Ferreira (1802 – 1878), Maciel Monteiro (1804 – 1868) e Manoel Manoel de Araújo Porto-Alegre (1806 – 1879). Este último proferiu um discurso, em 23 de abril de 1839, sobre a necessidade de construir-se uma estátua em homenagem a dom Pedro I e para esse fim continuar a subscrição para o projeto e arrecadar o produto da antiga, que estaria depositado no Tesouro Nacional.  Foi encaminhada à regência uma petição com esse objetivo. O senador Bernardo Pereira de Vasconcellos (1795 – 1850) nomeou José Antonio Lisboa (1777 – 1850) presidente da comissão, mas, devido às circunstâncias políticas, após uma viagem à Europa, Lisboa adiou as providências para o desenvolvimento do projeto.

Em 1840, um leitor do Diário de Rio de Janeiro, que se identificou como Um do povo, enviou uma carta ao jornal cobrando a realização da estátua (Diário do Rio de Janeiro, 14 de janeiro de 1840, na primeira coluna). Outro, que se identificou como O Curioso, perguntava para onde havia ido o produto da subscrição aberta nesta corte e em melhores tempos para a a estátua equestre do FUNDADOR DO IMPÉRIO, o sr. Dom Pedro 1º (Diário do Rio de Janeiro, 29 de julho de 1842, na primeira coluna). Em 1844, Porto Alegre conversou com o senador José Clemente (1787 – 1854) que revelou o desejo de retomar o plano de construção da estátua. Para isso, pediu toda a documentação e também encomendou um desenho a Porto Alegre. Mais uma vez as circunstâncias políticas desviaram a atenção ao projeto. Em 1846, um leitor, Um brasileiro de 1822, felicitava o sr. Dias da Motta por ter feito uma proposta à Câmara de Deputados, uma moção pedindo a execução do monumento (Diário do Rio de Janeiro, 28 de julho de 1846, na primeira coluna).

Finalmente, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro deliberou, em sessão extraordinária de 7 de setembro de 1854, sob a presidência de Francisco Lopes da Cunha (? – 1874) e por proposta de Roberto Jorge Haddock Lobo (1817 – 1869), a retomada da intenção da construção da estátua e foi aberta uma subscrição pública para esse fim (Diário do Rio de Janeiro, 23 de outubro de 1854, na penúltima coluna e 24 de outubro de 1854, na primeira coluna). Em 24 de setembro de 1854, aconteceu a primeira sessão da comissão nomeada pela Câmara Municipal para a construção da estátua equestre de dom Pedro I, na casa do conselheiro Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara (1812 -1868), presidente da comissão – ele passou para a história como o autor da Lei Eusébio de Queiroz, que reprimia o tráfico de escravos, e do Código Comercial, ambos de 1850. Faziam parte da comissão o barão do Bonfim (1790 – 1873), Manoel de Araújo Porto-Alegre (1806 – 1879), João Antonio de Miranda (1805 – 1861), Polydoro Jordão (1802 – 1879), João Affonso Lima Nogueira, Joaquim Norberto de Souza e Silva (1820-1891) e Roberto Jorge Haddock Lobo (1817 – 1869). Foi divulgada a convocação de artistas nacionais e estrangeiros a apresentarem em concurso um pensamento para a execução de uma estátua equestre em bronze (Diário do Rio de Janeiro, 23 de setembro de 1854, na terceira coluna). No mesmo ano, 1854, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro passou a apoiar a iniciativa e foi justamente Manuel de Araújo Porto-Alegre, um de seus membros e também professor da Academia Imperial de Belas Artes, quem defendeu, no jornal O Guanabara, a opção pela estátua equestre associada ao gesto que traduz o ato da Independência.

Em 2 de janeiro de 1855, foi enviada a proposta do artista francês Louis Rouchet (1813 – 1878) ao presidente da comissão, Eusébio de Queiroz Coutinho Mattoso Câmara (Diário do Rio de Janeiro, 19 de junho de 1855, na quarta coluna). Foi realizada, na Academia de Belas Artes, a entrega dos projetos para a escolha do escultor da estátua (Diário do Rio de Janeiro, 11 de março de 1855, na segunda coluna). De 27 de junho a 11 de julho de 1855, os desenhos e projetos apresentados para a escultura ficaram expostos na Academia (Diário do Rio de Janeiro, 27 de junho de 1855, na quinta coluna). Uma coluna foi dedicada à crítica aos projetos, e, segundo a crítica, nenhum deles era satisfatório (Diário de Rio de Janeiro, 4 de julho de 1855, na primeira coluna). Três dos 35 inscritos para o projeto da escultura foram premiados e o professor substituto de Pintura Histórica da Academia Imperial das Belas Artes, o brasileiro João Maximiano Mafra (1823 – 1908), ficou em primeiro lugar. O artista alemão Ludwig Georg Bappo (Luiz Jorge Bappo), em segundo, e o francês Louis Rochet (1813 – 1878), em terceiro. Estavam subscritos com os pseudônimos de “Independência ou Morte”, “Dem berten strebe nack” e “Vivere arbitratu suo”, respectivamente. Na ocasião não ficou decidido o artista que executaria o monumento (Diário do Rio de Janeiro, 30 de agosto de 1855, na segunda coluna e Jornal do Commercio, 2 de setembro de 1856, na sexta coluna). Porém, em artigo de Porto Alegre, na segunda edição da Revista Popular de 1859, ele afirmava que Rochet havia ficado em primeiro lugar no concurso e João Maximiano Mafra em segundo. De acordo com o historiador Paulo Knauss, foi devido a dificuldades técnicas para a confecção da obra no Brasil que coube ao francês Louis Rochet (1813 – 1878) a tarefa de desenvolver em seu ateliê parisiense o projeto de Mafra reorganizado por ele (Diário do Rio de Janeiro, 21 de abril de 1856, na terceira coluna).

 

 

Em 12 de outubro de 1855, data de aniversário de dom Pedro I, aconteceu a primeira cerimônia pública dos trabalhos no monumento. O malhete que bateu a primeira estaca foi guardado no Instituto Histórico Geográfico Brasileiro (Diário do Rio de Janeiro, 13 de outubro de 1855, na quarta coluna e Jornal do Commercio, 13 de outubro de 1855, na segunda coluna). Cerca de um ano depois, dom Pedro II foi à Academia de Belas Artes para ser apresentado aos riscos e modelos da estátua equestre de seu pai (Diário do Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1856, na primeira coluna).

Em 8 de julho de 1856, o escultor Louis Rochet chegou ao Brasil (Correio Mercantil, 9 de julho de 1856, na segunda coluna). Retornou à Europa em 29 de outubro de 1856 (Diário do Rio de Janeiro, 29 de outubro de 1956, na terceira coluna). Em 19 de outubro de 1861, a bordo do navio Reine du Monde, vindo do Havre, na França, chegaram ao Rio a estátua equestre e o pedestal do monumento (Diário de Pernambuco, 21 de outubro de 1861, na última coluna). Rochet voltou ao Brasil, a bordo do navio francês Bearn, em 17 de novembro de 1861 (Courrier du Brésil, 24 de novembro de 1861, na primeira coluna) para fazer o levantamento do monumento. Sua pedra fundamental foi lançada em 1º de janeiro de 1862 (Diário do Rio de Janeiro, 7 de janeiro de 1862, na primeira coluna).

Como já mencionado, a inauguração estava programada para acontecer no dia 25 de março de 1862, mas fortes chuvas adiaram o evento para o dia 30 de março (Diário do Rio de Janeiro, 26 de março e 31 de março de 1862). Rochet partiu do Rio de Janeiro em abril de 1862 (Diário do Rio de Janeiro, 25 de abril de 1862, na segunda coluna). A estátua foi tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, em 26 de setembro de 1978.

Um pequeno histórico do monumento foi publicado no Diário de Notícias de 5 de setembro de 1943. Há uma história curiosa sobre as imagens dos indígenas que estão nas laterais do monumento. Durante algum tempo, acreditou-se que eram obras do célebre escultor francês Auguste Rodin (1840 – 1917), mas, segundo a biografia de Louis Rochet, escrita por seu sobrinho, André Rochet, a informação de que Rodin teria trabalhado no ateliê do do tio surgiu no Brasil, de uma “opinião puramente pessoal” formulada pelo colecionador Djalma Hermes da Fonseca (Época, 27 de outubro de 2016).

 

 

A estátua foi reformada pela prefeitura do Rio para a comemoração do bicentenário da Independência do Brasil, em setembro de 2022.  No início de dezembro do mesmo ano foi vandalizada: teve pelo menos oito estrelas de ferro instaladas na parte superior de um gradil que a protege furtadas e cinco pedaços do gradeamento, em forma de seta e instalados na parte inferior, também foram levados.**

 

Intervenção na estátua equestre de dom Pedro I proposta por Diambe da Silva, realizada em janeiro de 2020*

 

“Em janeiro de 2020,  por volta das dez horas da noite, um grupo de vinte pessoas chegou à praça Tiradentes, no centro do Rio de Janeiro, carregando roupas, tonéis de gasolina e palitos de fósforo. Era o dia de “Devolta” uma proposição artística de Diambe da Silva que buscou intervir no território onde hoje está a estátua equestre de Dom Pedro I.”

Assim Pollyana Quintela inicia o texto Dom Pedro I sitiado: contrausos para a primeira escultura pública do Brasilpublicado na revista Palavra Solta, em 22 de junho de 2020, onde a autora propõe uma reflexão em torno, imagem, poder, memória e iconoclastia a partir de uma intervenção artística realizada por Diambe da Silva com a participação de Agrade Camíz, Agripina Manhattan, Ana Almeida, Carla Villa Lobos, Clara Tito, Camilla Braga, Daniel Sepulveda, Derrete, Gilson Plano, Julia Quimera, Laís Amaral, Lorena Pini, Mayara Velozo, Nel da Silva, Pamella Magno, Raphael Cruz, Rodrigo Rosm, Sophia Pinheiro e Walla Capelobo. O grupo foi acompanhado pelos advogados Lucas van Hombeeck e Marianna Borges Soares. A intervenção em imagens públicas podem recriá-las e ressignificá-las.

Naquela noite de janeiro, o grupo de artistas circundou o monumento com peças de roupas, em seguida rasgadas, cuidadosamente embebidas de gasolina e incendiadas. A ação aconteceu ao som de “Resplandescente”, de Ventura Profana, enquanto alguns integrantes faziam fotos e vídeos. Laminas lascivas, nossa brasa é fogo ardente, entoava a música da cantora negra, travesti e nordestina. Tudo não durou mais de 30 minutos. Quando a polícia chegou, o grupo, como a fumaça, já havia se dispersado sem confronto.

Nesse momento da história, depois da morte do norte-americano George Floyd (1973 – 2020), covardemente assassinado, em 25 de maio de 2020, por um policial em Mineápolis, cujas últimas palavras foram “Eu não posso respirar”, diversos monumentos considerados racistas foram derrubados em diferentes países como, por exemplo, a estátua do comerciante de escravizados, Edward Colston (1636 – 1721), em Bristol, na Inglaterra; e, na Bélgica, um busto do rei Leopoldo II (1835 – 1909), colonizador do Congo. Que destino seria dado a essas imagens?

A questão está posta e a discussão em torno do tema apresenta soluções bastante divergentes…”deslocá-las para museus, onde poderão ser recontextualizadas e debatidas criticamente; acompanhá-las de texto explicativo que pondere sobre o que representam; transformá-las a partir de apropriações e reconfigurações contemporâneas, com a colaboração de artistas e outros agentes, ou mesmo destruí-las. O que fazer com elas?

História é matéria viva e sempre reescrita.

Ainda segundo Pollyana Quintela: Aliás, a cada estátua derrubada, atualizamos a constatação de que o passado está vivo no modo como construímos nossas memórias coletivas.

 

*Esse trecho do artigo foi acrescentado no dia 15 de julho de 2020.

** Este parágrafo foi acrescentado em 2 de dezembro de 2022.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

KNAUSS, Paulo. A festa da imagem: a afirmação da escultura pública no Brasil do século XIX. 19&20, Rio de Janeiro, v.V, n.4, out/dez. 2010.

KNAUSS, Paulo. Às margens do pedestal. Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, julho de 2016.

QUINTELA, Pollyana. Dom Pedro I sitiado: contrausos para a primeira escultura pública do Brasil in Revista Palavra Solta, 22 de junho de 2020.

RIBEIRO, Maria Eurydice de Barros. “Memória em Bronze: A estátua equestre de D. Pedro I”. In: Knauss, Paulo (org.). Cidade Vaidosa. Imagens Urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sete Letras, 1999.

Site Instituto Estadual do Patrimônio Cultural

Site Inventário dos Monumentos

Site Palácio Nacional de Queluz

Veja Rio, 2 de dezembro de 2022

A Brasiliana Fotográfica fez também uma extensa pesquisa na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional.