O Rei Momo por Jean Manzon e por outros fotógrafos dos Diários Associados

Neste artigo a Brasiliana Fotográfica vai contar um pouco da história do Rei Momo do carnaval carioca a partir de uma imagem produzida pelo importante fotógrafo francês Jean Manzon (1915 – 1990), responsável pela renovação do fotojornalismo brasileiro na década de 1940. A foto destacada foi publicada no Diário da Noite, de 31 de dezembro de 1948, na ocasião do falecimento do primeiro Rei Momo, Francisco de Moraes Cardoso (1893 – 1948). No registro, de 28 de fevereiro de 1946, ele está na coroação realizada, no Teatro João Caetano, da vedete Mara Rubia (1918 – 1991), eleita dias antes Rainha do Baile do Carnaval das Atrizes de 1946 (Diário da Noite, 21 de fevereiro de 1946, sétima coluna). Vamos também traçar um pequeno perfil de Manzon. Foi em 3 de fevereiro de 1934 que o carnaval carioca foi aberto pela primeira vez por um Rei Momo de carne e osso.

 

 

 

momo

 

 

Os Diários Associados e a importância da preservação de um arquivo fotográfico de imprensa

 

Pela terceira vez uma imagem dos Diários Associados – Rio de Janeiro -, que foi incorporado, em 2016, ao acervo fotográfico de uma das instituições fundadoras da Brasiliana Fotográfica, o Instituto Moreira Salles (IMS), é o destaque de uma publicação do portal. Esse conjunto de fotos dos Diários Associados, que já foram o maior conglomerado de mídia do Brasil, possui cerca de 700 mil fotografias e 300 mil negativos com imagens produzidas para O Jornal, primeiro órgão dos Diários, comprado por Assis Chateaubriand (1892 – 1968), em 1924; para o Diário da Noite, fundado por ele, em 1929; e para o Jornal do Commercio, fundado, em 1827, e adquirido pelo grupo em 1959.

Mais uma vez destacamos a relevância da preservação de um arquivo fotográfico de imprensa mesmo que as imagens estejam disponíveis em plataformas como a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, uma das mais importantes fontes de pesquisa do portal. Com a preservação, as fotografias podem, a partir de recursos tecnológicos, como a digitalização e o zoom, terem outra visibilidade e serem acessadas em sua qualidade plena.

 

Acessando o link para as fotografias do Rei Momo publicados em jornais cariocas dos Diários Associados e disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Pequeno perfil de Jean Manzon (1915 – 1990)

 

O fotógrafo e cineasta Jean Manzon nasceu em Paris, em 2 de fevereiro de 1915. Começou sua carreira, aos 16 anos, no jornal L´Intransigeant. Depois trabalhou nas revistas ilustradas Vu e Match e no vespertino Paris Soir. Também trabalhou para o serviço cinematográfico da Marinha Francesa durante a Segunda Guerra Mundial. Veio para o Brasil, em agosto de 1940, e fixou-se no Rio de Janeiro.

Nos primeiros anos da década de 1940, foi o encarregado pela organização do Setor de Fotografia do Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo do presidente Getulio Vargas (1882 – 1954). Manzon tinha a função de produzir material para a divulgação da imagem do Brasil no país e no exterior. Editou pela Força Expedicionária Brasileira a revista Brasil na Guerra.

Atuou em diversas publicações dos Diários Associados, principalmente na revista O Cruzeiro, onde começou a trabalhar em 1943, a convite de Frederico Chateubriand (O Cruzeiro, 10 de julho de 1943), onde permanceu até 1951. Neste período produziu mais de 300 fotorreportagens cujos temas a professora e arquiteta Helouise Costa separou em quatro tópicos: política, personalidades, religião e realidade brasileira. Justamente nas décadas de 40 e 50 as matérias da revista tiveram um forte impacto na formação do imaginário brasileiro abordando, muitas vezes, pela primeira vez, alguns assuntos. Formou com David Nasser (1917 – 1980) uma das duplas mais importantes do jornalismo brasileiro. Juntos percorreram o Brasil de norte a sul e é deles, por exemplo, a matéria Enfrentando os chavantes, reportagem pioneira sobre índios brasileiros (O Cruzeiro, 24 de junho de 1944).

Manzon foi o responsável pela renovação do fotojornalismo no Brasil, implantando em O Cruzeiro, a partir de sua experiência europeia, uma linguagem fotográfica que usava ângulos de baixo para cima e vice-versa, tomadas oblíquas, enfatizando detalhes expressivos e utilizando intencionalmente a cenografia, onde a imagem era meticulosamente arquitetada pelo fotógrafo que, desta forma, construia a imagem. Introduzia assim a fotorreportagem, onde a foto não se limitava a ilustrar o texto, mas transmitia um ponto de vista especificamente visual sobre os fatos e resultava, com o texto, uma narrativa estruturada.

Manzon formou em O Cruzeiro uma equipe de fotógrafos que tornou-se pioneira do fotojornalismo moderno no país. Alguns deles foram Luciano Carneiro (1926 – 1959),  José Medeiros (1921- 1990) e Peter Scheier (1908 – 1979).

Na década de 1950, passou a colaborar com a revista Paris Match. Colaborou também com o jornal Última Hora e com a revista Manchete, em cuja capa do primeiro exemplar, de 26 de agosto de 1952, há uma chamada para Uma grande reportagem de Jean Manzon, intitulada Nem tudo é sombra e água fresca, também se trabalha na Câmara dos Deputados.

Ainda nos anos 50, fundou a empresa cinematográfica Jean Manzon Produções, que realizou mais de 900 documentários. Um deles, L´Amazone, foi premiado com o Leão de Ouro do Festival de Cinema de Veneza, Itália, em 1966. Retornou a Paris e, entre 1968 e 1972, assumiu a direção da Paris Match. É de sua autoria os livros Flagrantes do Brasil (1950) e Mergulho na Aventura (1950), este último em parceria com David Nasser; Brasil (1952) e Féerie Brésilienne (1957), entre outros.

Ele se orgulhava de ser o maior propagandista brasileiro no exterior e acusado, muitas vezes, de não mostrar a realidade do Brasil em seus documentários, declarou, em entrevista no artigo de Sérgio Gomes, Profissão otimista, publicado na Folha de São Paulo de 17 de novembro de 1977:

Folha de São Paulo, 17 de novembro de 1977

Folha de São Paulo, 17 de novembro de 1977

Segundo o poeta Manuel Bandeira (1886 – 1968), na apresentação da segunda edição de Flagrantes do Brasil, a obra de Manzon seria como um retrato de “nossa terra, nossos homens e nossos costumes”. Seu acervo é um dos maiores patrimônios cinematográficos de preservação da história e da memória no Brasil e em toda América Latina produzido por um só artista.

Em junho de 1990, em São Paulo, recebeu a Cruz de Oficial da Legião de Honra da França. Jean Manzon faleceu em Reguengos de Monsaraz, em Portugal, em 1º de julho de 1990, devido a um traumatismo craniano ocasionado por uma queda de uma escada (Jornal do Brasil, 5 de junho de 1990; e 3 de julho de 1990).

 

Um pouco da história do Rei Momo I e Único do carnaval carioca

 

 

Na Mitologia Grega, Momo era o deus da festividade, filho do Sono e da Noite. Por sua irreverência e sarcasmo foi expulso do Olimpo. Na Grécia, registros históricos revelam que os primeiros reis Momos até hoje conhecidos desfilavam em festas de orgia por volta dos séculos 5 ou 4 a.C. Já nas bacanais romanas, os participantes selecionavam um Rei Momo entre os soldados mais bonitos do exército e, ao final da festa, ele era sacrificado em honra do deus Saturno.

A primeira representação do Rei Momo de que se tem notícia no Brasil foi feita pelo caricaturista alemão radicado no Brasil, Henrique Fleiuss (1824 – 1882), e publicada na Semana Illustrada, em 2 de março de 1862, primeira publicação humorística ilustrada da imprensa brasileira. Fundada por Fleiuss, existiu entre 1860 e 1876, e teve como colaboradores Joaquim Nabuco (1849 – 1910) e Machado de Assis (1839 – 1908), dentre outros.

 

 

Até hoje, acredita-se que a primeira representação física do Rei Momo no país tenha acontecido em 21 de junho de 1910 durante a encenação da opereta Cupido no Oriente apresentada no Circo Spinelli. O famoso Benjamim de Oliveira (1870 – 1954), um dos autores da peça ao lado de David Carlos (18?-19?) e o primeiro palhaço negro do Brasil, interpretou Momo. O espetáculo contava com 28 músicas de autoria do maestro Paulino do Sacramento (1880 – 1926) e quatro atos.

 

 

 

 

Em 1933, a Federação das Sociedades Carnavalescas do Rio de Janeiro, a Casa dos Artistas e a Empresa Beira-Mar Cassino organizaram a entrada triunfal do Rei Momo no Rio de Janeiro, que seria uma nota interessantíssima do carnaval. A programação foi apresentada por Cerqueira Lima, representante do Touring Club (A Noite, 20 de dezembro de 1932, penúltima colunaA Noite, 28 de janeiro de 1933, quarta coluna; e 14 de fevereiro de 1933, terceira coluna).

 

“Foi uma ideia feliz essa de se dar, assim, como uma apoteose ao deus da folia, abertura oficial aos folguedos de carnaval”.

A Noite, 15 de fevereiro de 1933

 

 

 

E, em 18 de fevereiro de 1933, desembarcou na cidade um Rei Momo, porém de papelão. Foi esculpido pelo cenógrafo Hipólito Colomb que, com o decorador Jayme Silva, o vestiu. Momo chegou à Praça Mauá a bordo do Mocanguê. A alegoria media 13 metros e era iluminada por 800 lâmpadas elétricas. Houve um desfile na avenida Rio Branco e o rei da folia instalou-se no Cassino Beira-Mar. Foi a diretoria do Lloyd Club que promoveu a luxuosa cerimônia de chegada (A Noite, 15 de fevereiro18 de fevereiro, primeira coluna; 18 de fevereiro, quarta coluna; e 19 de fevereiro, de 1933; Diário da Noite, 18 de fevereiro; e 20 de fevereiro de 1933).

 

 

Como provado por fotos publicadas no jornal A Noite, de 21 de fevereiro de 1933, e na mesma data 3ª edição; e de 23 de fevereiro de 1933, já existia um  Rei Momo de carne e osso em 1933, criado por iniciativa dos jornalistas de A Noite Vasco Lima, Raymundo Magalhães Junior, Edgard Pilar Drummond, pseudônimo Palamenta, que integrava o Centro dos Cronistas Carnavalescos; e do caricaturista Fritz, pseudônimo de Anisio Mota. O escolhido para encarnar o soberano do carnaval carioca foi o cronista de turfe, que também trabalhava no jornal, o carioca Francisco Moraes de Cardoso (1893 – 1948), um tipo bonachão, alegre e com cara de glutão.

 

 

Mas foi no ano seguinte, em 3 de fevereiro de 1934, que o Rei Momo de carne e osso abriu o carnaval do Rio de Janeiro. Chegou na Praça Mauá e seguiu pela Avenida Rio Branco até o Palácio das Festas, onde houve um baile em sua homenagem (A Noite, 13 de dezembro de 1933, terceira colunaA Noite, 19 de fevereiro de 1934, primeira coluna; A Noite, 30 de janeiro de 1934, penúltima coluna; A Noite, 3 de fevereiro de 1934; A Noite, 4 de fevererio de 1934).

 

momo10A Noite, 3 de fevereiro de 1934

 A Noite, 3 de fevereiro de 1934

 

Foi vestido, por sugestão do maestro Silvio Piergilli (c.1888 – 1962), que trabalhava no Teatro Municipal e era amigo de Raymundo Magalhães Junior, com a roupa do duque de Mântua, personagem da ópera Rigoletto, de Giuseppe Verdi. Há uma outra versão na qual o caricaturista Fritz teria sido o desenhista da roupa, que teria sido executada por uma costureira do Teatro Municipal. Provavelmente, em 1933, Momo usou a fantasia do duque e, no ano seguinte, 1934, desfilou com a roupa desenhada por Fritz.

 

 

 

O jornal A Noite, de 9 de dezembro de 1948, resumiu assim a história do Rei Momo no carnaval do Rio de Janeiro:

 

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O fato é que durante 15 anos, de 1934 até sua morte, em 9 de dezembro de 1948, Moraes de Cardoso reinou no carnaval carioca (A Noite, 9 de dezembro de 1948; O Jornal, 10 de dezembro de 1948, primera coluna). Havia ingressado em A Noite em fins da década de 20, a convite de Adauto de Assis, que chefiava a seção esportiva do jornal. Antes, Moraes Cardoso trabalhava na papelaria Casa Cruz. Quando faleceu, além de repórter esportivo e comentarista de turfe, era Chefe da Seção de Circulação de A Noite.

 

 

 

Retrospectiva do Rei Momo do carnaval carioca desde 1934

 

 

1934 a 1948 – Francisco Moraes Cardoso

1949 – Gustavo Matos

1950 – Jaime de Moraes

1951 a 1957 – Nelson Nobre

1958 a 1971 – Abrahão Reis

1972 – Edson Seraphin de Santana

1973 – Elson Macula

1974 a 1982 – Edson Seraphin de Santana

1983 – Paolo Vicente Paccelli

1984 – Robertão

1985 e 1986 – Elson Macula

1987 a 1995 – Reynaldo Bola

1996 – Paulo Cesar Braga

1997 a 2003 –   Alex de Oliveira

2004 – Wagner Monteiro

2005 – Marcelo Reis

2006 a 2008 – Alex de Oliveira

2009 a 2013 – Milton Junior

2014 a 2016– Wilson Dias da Costa Neto

2017 – Fabio Damião

2018 – Milton Junior

2019 – Wilson Dias da Costa Neto

2020 a 2021– Djeferson Mendes da Silva

2022 – Wilson Dias da Costa Neto

2023 – Djferson Mendes da Silva,

 

Andrea C.T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

ABI – Boletim Informativo, 1990

BURGI, Sérgio; COSTA, Helouise (org.). As origens do fotojornalismo no Brasil: um olhar sobre O Cruzeiro. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2012.

CARDENUTO FILHO, Reinaldo. Discursos de intervenção: o cinema de propaganda ideológica para o CPC e o Ipês às vésperas do Golpe de 1964 São Paulo, 2008. Tese (Mestrado) – Universidade de São Paulo. Escola de Comunicação e Artes.

COELHO, M. Beatriz Ramos de Vasconcelos. A Construção da imagem da nação Brasileira pela fotodocumentação: 1940-1999. São Paulo, 2000. Tese (Doutorado) – Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.

COSTA, Haroldo. 100 anos de carnaval no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro : Irmãos Vitale, 2001.

COSTA, Helouise. Palco de uma história desejada: o retrato do Brasil por Jean Manzon em: Revista do Patrimônio, nº 27, 1998. Maria Inez Turazzi (org.). Brasília: IPHAN, 1998.

COSTA, Helouise. Um olho que pensa: estética moderna e fotojornalismo. Tese de doutoramento. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, 1998.

Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira

GOMES, Sérgio. Jean Manzon. Profissão: otimista, artigo publicado na Folha de São Paulo de 17 de novembro de 1977.

Figuras e Coisas do Carnaval Carioca / Jota Efegê: apresentação de Artur da Távola. —2. ed. — Rio de Janeiro: Funarte, 2007.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

MANZON, Jean. Flagrantes do Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Bloch, 1950.

MANZON, Jean. Memórias do Brasil. São Paulo: Cepar Consultoria e Participações, 2007.

MANZON, Jean. Retrato vivo da grande aventura. São Paulo: Cepar Consultoria e Participações, 2006/2007.

PEREGRINO, Nadja. O Cruzeiro: a revolução da fotoreportagem. Rio de Janeiro, Dazibao, 1991.

PINHEIRO, Marlene M. Soares (1996), A Travessia do avesso: sob o signo do carnaval. São Paulo : Annablume, 1995.

Memória do carnaval, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 1991.

Revista Superinteressante, 14 de fevereio de 2020

Site Enciclopédia Itaú Cultural

Site Fundaj

Site MultiRio

TACCA, Fernando de. O índio na fotografia brasileira: incursões sobre a imagem e o meio. História, ciências, saúde – Manguinhos – Vol. 18, nº 1, p.191-223. Rio de Janeiro., 2011

TeatroBR Blogspot 

 

Artigos publicados na Brasiliana Fotográfica com fotografias do acervo dos Diários Associados

Os Diários Associados na Brasiliana Fotográfica, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 30 de maio de 2018.

A Casa dos Artistas nos Diários Associados, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 26 de agosto de 2019.

 

Links para artigos sobre carnaval já publicados na Brasiliana Fotográfica

 

Imagem relacionada

O carnaval nas primeiras décadas do século XX, publicado em 5 de fevereiro de 2016

 

 

O carnaval do Cordão da Bola Preta, publicado em 9 de fevereiro de 2018

 

 

As Camélias Japonesas no carnaval de Alagoas pelas lentes do fotógrafo amador Luiz Lavenère Wanderley (1868 – 1966, publicado em 21 de fevereiro de 2020

 

Cenas da folia em Manaus em 1913, publicado em 28 de fevereiro de 2020

 

 

Baile de Carnaval em Santa Teresa – Di Cavalcanti, Klixto e Helios Seelinger, na casa de Raul Pederneiras, publicado em 25 de fevereiro de 2022

 

Foliões do Carnaval de Diamantina por Chichico Alkmim, publicado em 17 de fevereiro de 2023

 

 

Crianças no carnaval carioca de 1933 por Guilherme Santos, publicado em 8 de fevereiro de 2024

 

Acessando o link para as fotografias de Carnaval disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas

A Casa dos Artistas nos Diários Associados

Pela segunda vez a Brasiliana Fotográfica publica uma imagem do acervo fotográfico dos Diários Associados – Rio de Janeiro. O conjunto de fotos foi incorporado, em 2016, por um dos fundadores da Brasiliana Fotográfica, o Instituto Moreira Salles (IMS). O conjunto adquirido pelo IMS dos Diários Associados, que já foram o maior conglomerado de mídia do Brasil, possui cerca de 700 mil fotografias e 300 mil negativos com imagens produzidas para O Jornal, primeiro órgão dos Diários, adquirido por Assis Chateaubriand (1892 – 1968) em 1924; para o Diário da Noite, fundado por ele em 1929; e para o Jornal do Commercio, fundado em 1827 e adquirido pelo grupo em 1959. Os registros cobrem um período representativo do século XX – de 1915 a 2005.

Mais uma vez destacamos a relevância da preservação de um arquivo fotográfico de imprensa mesmo que as imagens estejam disponíveis em plataformas como a Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, uma das mais importantes fontes de pesquisa do portal. Com a preservação, as fotografias podem, a partir de recursos tecnológicos como a digitalização e o zoom, terem outra visibilidade e serem acessadas em sua qualidade plena. Abaixo, publicamos a fotografia do Retiro dos Artistas, tema de nosso artigo de hoje, capturada do jornal e, a mesma, digitalizada.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias do Retiro dos Artistas do acervo fotográfico dos Diários Associados RJ disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Um pouco da história da Casa dos Artistas

 

 

Inspirado na Maison de Répos de Artistes Dramatiques Français, fundada em 1840 pelo barão Isidore Taylor (1789 – 1879), nos arredores de Paris, o ator Leopoldo Fróes (1882 – 1932) criou  no Rio de Janeiro, então a capital administrativa e cultural do Brasil, a Casa dos Artistas, destinada a profissionais idosos que viveram da música, do teatro, do cinema, da televisão, do rádio ou do circo, tanto como estrelas como atuando nos bastidores. Para a realização de seu empreendimento, Fróes promoveu diversas iniciativas como a organização de um festival popular na Quinta da Boa Vista, em setembro de 1915, cuja renda seria revertida para a Casa dos Artistas e para os flagelados da seca no nordeste do Brasil; a instituição de um ingresso artístico de contribuição ao projeto, inicialmente no Teatro Pathé, onde tinha sua companhia teatral e, posteriormente, adotado em outros teatros. Irineu Marinho (1876 – 1925), dono do jornal A Noite, participou da campanha para a criação da instituição.

A Casa dos Artistas foi oficialmente fundada em 13 de agosto de 1918, no Teatro Trianon, por 68 profissionais. Seus primeiros presidente e vice-presidente foram os atores Leopoldo Fróes e Eduardo Leite (1868 – 1920), eleitos poucos dias depois. Na ocasião, também foi eleita uma comissão feminina de beneficência da qual faziam parte as atrizes Abigail Maia (1887 – 1981) e Amália Capitani (18? – 19?), entre outras. Como homenagem ao ator João Caetano (1808 – 1863), que havia falecido em 24 de agosto de 1863, a data oficial da fundação da Casa dos Artistas passou a ser dia 24 de agosto, e nessa data é comemorado o Dia do Artista. A sede social da Casa dos Artistas ficava na rua Espírito Santo, 53.

O terreno do Retiro dos Artistas, localizado em Jacarepaguá, foi doado pelo jornalista e empresário tcheco Frederico Figner (1866 – 1947), fundador da Casa Edison, pioneiro na comercialização de fonógrafos no Brasil e também o primeiro produtor fonográfico no país. Havia nascido na Boêmia, então parte do Império Austro-Húngaro e, aos 15 anos, imigrou para os Estados Unidos. Na época Thomas Edison (1847 – 1931) havia lançado o fonógrafo e Figner se encantou com a invenção. O nome da futura Casa Edison foi uma homenagem ao inventor. Figner foi para Belém do Pará, em 1891, e, um ano depois, após passar por várias capitais do Brasil mostrando o fonógrafo adquirido nos Estados Unidos, chegou ao Rio de Janeiro, onde, em 1900, inaugurou a Casa Edison, na rua Uruguaiana. No mesmo ano instalou uma sala de gravação anexa à Casa Edison, na Rua do Ouvidor nº 105.  O primeiro disco brasileiro, o lundu Isto é bom, de Xisto Bahia (1841 – 1894), foi gravado, em 1902, justamente na Casa Edison, pelo cantor Manuel Pedro dos Santos, conhecido como Baiano (1870 – 1944). Em 1913, Fred inaugurou uma indústria fonográfica de grande porte em Vila Isabel, que deu origem ao selo Odeon.

 

 

Voltando ao Retiro dos Artistas. Sua primeira sede  foi inaugurada em 25 de abril de 1919 (A Noite, 26 de abril de 1919, primeira coluna). A pedra fundamental da atual sede, no mesmo terreno da primeira, foi lançada em 20 de novembro de 1922, e a inauguração aconteceu em 20 de janeiro de 1925 (O Jornal, 24 de novembro de 1922, quarta coluna e O Jornal, 21 de janeiro de 1925, terceira coluna).

Em 1931, a Casa dos Artistas recebeu sua Carta Sindical, do recém-criado Ministério do Trabalho, tornando-se oficialmente representante dos artistas. Em 19 de outubro do mesmo ano, o então presidente do governo provisório, Getulio Vargas (1882 – 1954), e Pedro Ernesto (1884 – 1942), interventor no Distrito Federal, visitaram o Retiro dos Artistas (Diário da Noite, 20 de outubro de 1931 e O Jornal, 20 de outubro de 1931, primeira coluna). Alguns anos depois, em 24 de setembro de 1938, foi inaugurado um busto de Vargas dentro do Retiro. 

Até 1964, a Casa dos Artistas dividiu-se no atendimento assistencial e sindical e, a partir da fundação do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro(SATED-RJ),  assumiu sua ação exclusivamente assistencial. Segundo o site da Casa dos Artistas, que depende de trabalho voluntário e de doações, com o passar do tempo e devido a alguns acontecimentos, a Casa dos Artistas se resumiu ao trabalho assistencial do Retiro.

 

 

 

 

 

Em 12 de maio de 2022, o Retiro dos Artistas tornou-se um bem tombado pelo estado do Rio de Janeiro. A determinação foi publicada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultura (Inepac) no Diário Oficial. Segundo a diretora do Inepac, Ana Cristina Carvalho, o ato do tombamento é de vital importância para a preservação e manutenção da memória fluminense.

“O Retiro dos Artistas é um dos elementos que constituem a identidade e história da classe proletária artística no Rio de Janeiro. Nossa equipe tem trabalhado com o objetivo de reafirmar os papéis de proteção e de fiscalização conferidos legalmente ao Instituto”*

 

*Esses dois últimos parágrafos foram acrescentados em 29 de maio de 2022.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Artigos publicados na Brasiliana Fotográfica com fotografias do acervo dos Diários Associados

Os Diários Associados na Brasiliana Fotográfica, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 30 de maio de 2018.

 

 

 

Fontes:

Diário do Rio

Dicionário Cravo Albim da Música Popular Brasileira

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

Retiro dos Artistas

Revista do Brasil

Site Cultura e Economia Criativa do Rio de Janeiro

Site Rio & Cultura

Site Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões do Estado do Rio de Janeiro- Sated-RJ

VERAS, Flávia Ribeiro. Tese de doutorado: “Fábricas da Alegria” O mercado de diversões e a organização do trabalho artístico no Rio de Janeiro e Buenos Aires 1918 – 1945. Fundação Getulio Vargas, 2017

Os Diários Associados na Brasiliana Fotográfica

Pela primeira vez o portal publica uma imagem do acervo fotográfico dos Diários Associados – Rio de Janeiro. O conjunto de fotos foi incorporado, em 2016, por um dos fundadores da Brasiliana Fotográfica, o Instituto Moreira Salles (IMS). Nessa estreia, foi destacada uma fotografia do hangar para abrigar os zepelins, em construção no Campo de Santa Cruz, e uma do Graf Zeppelin, publicadas em O Jornal, do dia 7 de abril de 1935. O conjunto adquirido pelo IMS dos Diários Associados, que já foram o maior conglomerado de mídia do Brasil, possui cerca de 700 mil fotografias e 300 mil negativos com imagens produzidas para O Jornal, primeiro órgão dos Diários, adquirido por Assis Chateaubriand (1892 – 1968) em 1924; para o Diário da Noite, fundado por ele em 1929; e para o Jornal do Commercio, fundado em 1827 e adquirido pelo grupo em 1959. Os registros cobrem um período representativo do século XX – de 1915 a 2005. Esse texto da Brasiliana complementa o recém publicado, em 25 de maio de 2018,  A primeira passagem do Graf Zeppelin pelo Rio de Janeiro, em 1930, e registros de outras viagens.

A Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional, a maior coleção de periódicos do Brasil, é uma das mais potentes plataformas de informações para diversos tipos de pesquisa e a Brasiliana Fotográfica faz, desde seu início, uma extensa e profícua utilização desse precioso arquivo. Lembramos que a Fundação Biblioteca Nacional é também uma das fundadoras do portal. No caso específico de estabelecer-se uma relação entre uma imagem de um acervo fotográfico de imprensa com a forma e o contexto com que essa imagem foi originalmente publicada – como realizado nessa publicação do portal – faz com que a Hemeroteca Digital da BN ganhe especial protagonismo. E, como lembra Sérgio Burgi, coordenador de Fotografia do IMS, a preservação de um arquivo fotográfico de imprensa, mesmo que seus conteúdos estejam conservados em plataformas como a Hemeroteca Digital, é muito importante: as imagens podem, a partir de recursos tecnológicos como a digitalização e o zoom, terem outra visibilidade e serem acessadas em sua qualidade plena.

Abaixo, a imagem do Hangar dos Zeppelins, no Campo de Santa Cruz, e do Graf Zeppelin, do acervo fotográfico dos Diários Associados Rio de Janeiro, incorporado ao IMS. Acessando o link para a fotografia, disponível na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar a imagem e verificar todos os dados referentes a ela.

 

 

Abaixo, a fotografia e o texto publicados em O Jornal de 7 de abril de 1935:

 

 

‘Sob o “controle da Comissão fiscal de Obras de Aeroportos, do Ministério da Viação, ativam-se os trabalhos de construção do aeroporto de Santa Cruz, construído numa área de milhão de metros quadrados, na fazenda S. José, de propriedade do governo da União.

A construção do ramal da Central do Brasil para aquele campo permitiu o rápido transporte do material e o desenvolvimento consequente dos trabalhos.

Esse aeroporto se constrói de acordo com o contrato do governo com a Luftschiffbau Zeppelin para o estabelecimento de uma linha regular de dirigíveis entre a Europa e o Brasil, serviço que estará em perfeito funcionamento dentre em pouco, logo se concluam as obras do aeroporto.

Ainda neste início de mês o “Zeppelin” reiniciará suas viagens para o Brasil, transportando passageiros, correspondência e encomendas, quinzenalmente, partindo de Friedrichshafen aos sábados, à noite, e chegando a Recife às terças-feiras imediatas.’

O “Zeppelin” atracará no aeroporto de Santa Cruz e regressará imediatamente à Europa. Há uma modificação de rota: a aeronave fará escalas por Sevilha na ida e na volta.’

 

Um pouco da história do Hangar dos Zepelins

Para a construção de um aeroporto para abrigar os zepelins, o governo brasileiro liberou um crédito milionário para o financiamento da obra em troca de um programa mínimo de 20 viagens anuais pelo período de 30 anos, contratado com a Luftschiffbau Zeppelin, fabricante e operador da linha aérea (Correio da Manhã, 10 de maio de 1934, quarta coluna). Sua estrutura de aço foi trazida da Alemanha e o hangar dos dirigíveis zepelins começou a ser construído em 1934, no Aeroporto de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, mais tarde rebatizado Aeroporto Bartolomeu de Gusmão, e inaugurado em 26 de dezembro de 1936 pelo presidente da República, Getulio Vargas (1882 – 1954), com a presença de várias outras autoridades, dentre elas o embaixador da Alemanha e o prefeito do Rio de Janeiro, Olímpio de Melo (1886 – 1977) (O Jornal, 27 de dezembro de 1936, quarta coluna). Foi então ativada uma linha regular de transportes aéreos entre a Alemanha e o Brasil. Mais de 5 mil homens participaram da construção do hangar. Na época, existia um trem que saía da Central do Brasil, no Rio de Janeiro, cujo ponto final era o aeroporto.

O hangar foi pouco utilizado pelos zepelins porque a partir da explosão de um deles, o Hindenburg, em 6 de maio de 1937 (O Jornal, 7 de maio de 1937), os voos dos grandes dirigíveis para passageiros foram interrompidos. Segundo reportagem do Jornal do Brasil de 5 de abril de 1981 e outras fontes o Hindenburg pousou no hangar quatro vezes e o Graf Zeppelin, cinco. Em 1943, o aeroporto tornou-se a Base Aérea de Santa Cruz. O hangar serviu como base para o 1º Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira, que atuou na Segunda Guerra Mundial (Diário de Notícias, 17 de janeiro de 1943, sexta coluna).

Tombado em março de 1998 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o prédio do hangar tem 274 metros de comprimento, 58 metros tanto de altura como de largura. Seu portão principal, o sul, possui duas folhas, cada uma pesando 80 toneladas – a abertura pode ser feita manualmente ou com motores. O portão norte, com 28 metros de largura e 26 metros de altura, era utilizado para ventilação e saída da torre de atracação. No topo do hangar, a 61 metros de altura, fica a torre de comando. É o último hangar gigante para dirigíveis no mundo (Jornal do Brasil, 28 de março de 1993).

 

Contribuíram para essa publicação a socióloga Roberta Zanatta (IMS), o historiador Rodrigo Bozzetti (IMS), o bibliotecário Alexandre Delarue (IMS), além de Franco Salvoni e Guilherme Gomes, do Núcleo de Digitalização do IMS.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Artigos publicados na Brasiliana Fotográfica com fotografias do acervo dos Diários Associados

 

A Casa dos Artistas nos Diários Associados, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, publicado em 26 de agosto de 2019. 

 

Fontes:

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

“Por dentro dos acervos” – Associados ao IMS, por Mànya Millen, 20 de outubro de 1916.

RODRIGUES, Helio Suevo. A formação das estradas de ferro no Rio de Janeiro – o resgate de sua memória. Rio de Janeiro: Sociedade de Pesquisa para Memória do Trem, 2004.

Site Defesa.net

Site Iphan

Site Ministério da Defesa – Força Aérea Brasileira