Curso de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz

Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, uma das parceiras da Brasiliana Fotográfica, é o autor do artigo “Curso de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz”, que contribuiu para consolidar  os estudos da bacteriologia, da microbiologia e da parasitologia, tendo sido a semente da Pós-graduação na instituição. A primeira turma de ensino formal teve início somente em 1908, ano em que o Instituto Soroterápico Federal recebeu o nome de Oswaldo Cruz. Fizeram parte de seu quadro de professores grandes cientistas, dentre eles Adolpho Lutz (1855 – 1940) e Alcides Godoy (1880 – 1950).

 

 

Curso de Aplicação no Instituto Oswaldo Cruz

 Ricardo Augusto dos Santos*

 

 

A formação de profissionais para a ciência está presente em Manguinhos desde a criação do Instituto Soroterápico Federal. Fundado em maio de 1900 com o objetivo de produzir soros e vacinas para combater a peste bubônica, o Instituto começou a desenvolver atividades educativas. No início, as tarefas de pesquisa e ensino eram realizadas em conjunto. Ainda não havia uma estrutura com funções específicas. Para consolidar a instituição, os primeiros cientistas se preocuparam com a formação de pessoal treinado nas técnicas recentemente (final do século XIX) desenvolvidas. De fato, as ações do Instituto combinariam ensino, investigação em laboratórios e produção de medicamentos. Posteriormente, a pesquisa aliada à prática docente se tornaria uma tradição na história da Fundação Oswaldo Cruz.

 

Acessando o link para as fotografias do Curso de Aplicação do Instituto Oswaldo Cruz disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Muito cedo, estudantes de medicina frequentavam o Instituto Soroterápico em busca de orientação para suas teses. O trabalho de conclusão era indispensável para a conquista do diploma em medicina. Era um mundo novo e modernos temas de pesquisa atraíam os formandos. Na época, poucas instituições médicas no Brasil possuíam competência no campo da medicina experimental.

 

 

Em meio às obras de construção dos primeiros prédios da nova instituição, era habitual a presença de alunos da Faculdade de Medicina convivendo com os pesquisadores na outrora Fazenda de Manguinhos. Nos primórdios do Soroterápico, mestres e alunos apresentavam seus trabalhos que eram discutidos. A partir de 1903, ainda de maneira caseira, aulas começaram a serem oferecidas aos estudantes. Contudo, a primeira turma de ensino formal teve início somente em 1908, ano em que o Instituto recebeu o nome de Oswaldo Cruz. O Curso de Aplicação de Manguinhos contribuiu para consolidar a bacteriologia, a microbiologia e a parasitologia. Podemos afirmar que foi a semente da Pós-graduação na Fiocruz.

Chamado domesticamente de Curso de Aplicação ou Escola de Manguinhos, em seu corpo docente, se destacavam nomes de cientistas, como Adolpho Lutz, Alcides Godoy, Henrique da Rocha Lima e Henrique de Beaurepaire Aragão, que haviam adquirido experiência e conhecimentos na Europa, em institutos onde se praticava a ciência mais avançada. O ensino no Curso de Aplicação era rigoroso. Em seus primórdios, eram admitidos médicos e estudantes de medicina. Depois, seriam aceitos farmacêuticos e veterinários. O curso era gratuito e os alunos responsabilizavam-se pela compra do material utilizado. Para se inscrever, os candidatos solicitavam autorização ao diretor do Instituto Oswaldo Cruz. Muitas vezes, os alunos trabalhavam voluntariamente como pesquisadores nos laboratórios e, posteriormente, poderiam ser absorvidos, entrando no quadro de funcionários contratados.

 

 

Com a ampliação progressiva do desenho institucional, através da diversificação dos departamentos, laboratórios de pesquisa do IOC e disciplinas do Curso de Aplicação, um número crescente de alunos chegava em Manguinhos pretendendo a desejada entrada no Castelo da Ciência. O título destacava seu aspecto empírico e prático. Oficialmente, esse nome – Curso de Aplicação – surgiria apenas em 1919, mas era assim chamado desde a sua fundação. Era realizado anualmente e, logo, fortaleceu-se como escola de aperfeiçoamento em medicina experimental.

 

 

Olympio da Fonseca Filho, diretor do Instituto Oswaldo Cruz entre 1949 e 1953, ao tentar entrar em 1912, não conseguiu vaga, adiando seu ingresso para o ano seguinte. Desde os primeiros anos houve uma procura intensa. Entre sua abertura e a década de 1930, quinhentos candidatos se inscreveram, mas somente 275 conseguiram matricular-se. O programa era muito rígido. As disciplinas duravam quatorze meses, não se admitindo mais de dez faltas. Muitos estudantes que entravam não alcançavam a frequência e o rendimento necessários para a conclusão.

Com o término do período, a publicação do texto como produção científica do Instituto Oswaldo Cruz proporcionava a ampliação da atuação do pesquisador. Após o curso, era possível a contratação provisória para os quadros do Instituto Oswaldo Cruz através das verbas obtidas com vendas das vacinas e medicamentos. Posteriormente, de acordo com alterações no corpo permanente de funcionários (aposentadoria ou morte de pesquisador) o aprendiz de cientista poderia sonhar com a nomeação para um cargo vitalício. O Curso de Aplicação significava a porta de entrada para o universo da pesquisa. Apesar de envolver relações próximas, a disputa por espaços baseava-se em critérios técnicos e científicos que aliavam o desempenho no Curso com o estágio nos laboratórios, lugar para amadurecimento das pesquisas.

 

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

 

 

 

Indicações de Leitura:

 

AZEVEDO, Nara & FERREIRA, Luiz Otávio. Os dilemas de uma tradição científica: ensino superior, ciência e saúde pública no Instituto Oswaldo Cruz, 1908-1953. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 2012, vol.19, n.2.

REIS, Renata. A “grande família” do Instituto Oswaldo Cruz: a contribuição dos trabalhadores auxiliares dos cientistas no início do século XX. Tese (doutorado)-Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.

 

A criação de uma vacina para a peste da manqueira, um marco na história da veterinária brasileira e mundial

Cristiane d’Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, uma das parceiras da Brasiliana Fotográfica, conta a história da criação da vacina para a peste da manqueira. Foi por iniciativa de Oswaldo Cruz que as pesquisas sobre o assunto começaram a ser feitas no Brasil, no início do século XX, quando ele acumulava a função de diretor do Serviço de Profilaxia da Febre Amarela da Diretoria Geral de Saúde Pública e também do Instituto Soroterápico Federal, que viria a ser denominado Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, e, posteriormente, Fundação Oswaldo Cruz. Ele convocou seus colegas Ezequiel Dias e Henrique Rocha Lima para investigarem a moléstia, mas, após 1905, o cientista Alcides Godoy tornou-se o responsável pelo projeto. A partir de 1908, o Instituto Oswaldo Cruz passou a produzir e fabricar em escala comercial a primeira vacina veterinária brasileira de combate a doenças infectocontagiosas. Um marco na história da veterinária brasileira e mundial.

Cristiane d’Avila *

“Peste da manqueira”, “mal do ano”, “mal do quarto inchado”, “blackleg” (nos países de língua inglesa). Os nomes populares atribuídos a doenças dizem muito sobre os danos à saúde humana e animal ou mesmo sobre os prejuízos financeiros que podem provocar. Em tais situações, somam-se esforços para que se encontrem respostas, antídotos e tratamentos que debelem as causas e minimizem os efeitos provocados por elas. No caso do carbúnculo sintomático, não foi diferente.

Era início do século XX. Pecuaristas mineiros, atônitos com a moléstia que acometia os bezerros e bovinos jovens, causando imensa mortandade e prejuízos galopantes, buscavam soluções para a situação. A doença, letal, iniciava-se com febre e inchaço da musculatura, especialmente das regiões chamadas “quartos” dos bovinos, atrofiando-as e provocando o andar manco. Não à toa, recebeu denominações que a classificaram popularmente como “peste” e “mal”.

Durante muito tempo confundido com o antraz, o carbúnculo sintomático não abatia apenas os rebanhos brasileiros. Tratava-se de uma doença de impacto mundial, porém mais ativa em países tropicais, que apresentava como vetor o microrganismo anaeróbico Clostridium chauvei. O germe havia sido cultivado e analisado pela primeira vez, em 1887, pelo bacteriologista francês Émile Roux, do Instituto Pasteur de Paris. Antes disso, foi estudado por Arloing, Cornevin e Thomas, que de 1887 a 1894 investigaram exaustivamente a etiologia, a epizootiologia, a manifestação clínica ea  patologia da doença. Em 1887, o trio publicou o livro Le Charbon symptomatique d uboeuf, porém não obteve sucesso na produção de um imunizante para o mal.

Em 1903, Oswaldo Cruz, já interessado em pesquisas sobre o carbúnculo sintomático, convidou o então estudante de medicina Alcides Godoy (1880 – 1950) para ingressar, como auxiliar acadêmico, no Serviço de Profilaxia da Febre Amarela da Diretoria Geral de Saúde Pública, a fim de trabalhar na produção de soros e vacinas. Nesse período, Cruz acumulava a função de diretor deste serviço e também do Instituto Soroterápico Federal (que viria a ser denominado Instituto Oswaldo Cruz, em 1908, e, posteriormente, Fundação Oswaldo Cruz).

 

 

Atento às pesquisas em curso no exterior, Oswaldo Cruz já havia adquirido e consultado a obra de Arloing, Cornevin e Thomas. Incansável na busca por respostas, colocou os colegas do Instituto Ezequiel Dias e Rocha Lima para investigarem a moléstia, mas após 1905 Godoy tornou-se o responsável pelo projeto. Enquanto isso, Henrique da Rocha Lima, pesquisador e “braço direito” de Oswaldo Cruz, usando técnica aprendida durante uma estadia na Alemanha, obteve colônias anaeróbicas do germe, cedendo-as a Godoy para investigação científica.

 

Voltado totalmente à pesquisa, Godoy (na foto ao lado) foi original: empregou um meio de cultura especial para bactérias anaeróbicas, com uso de glicose, a fim de obter uma “raça” diferenciada de bactérias de virulência atenuada, criando uma vacina com o clostridiumchauvoei vivo. Logo que foram confirmadas, em laboratório, as propriedades vacinantes de suas culturas, Godoy viajou, em 1906, para Juiz de Fora, Minas Gerais, em companhia dos pesquisadores do Instituto Rocha Lima e de Carlos Chagas, para executar os testes finais. A primeira demonstração pública da vacina, entretanto, não obteve o resultado esperado e alguns animais faleceram.

De volta a Manguinhos, Godoy descobriu a causa do insucesso: uma maior virulência do lote da vacina preparada para o teste. Corrigida a falha, novas inoculações foram feitas, desta feita com absoluto sucesso. A descoberta fez o então Instituto Oswaldo Cruz produzir e fabricar em escala comercial, a partir de 1908, a primeira vacina veterinária brasileira de combate a doenças infectocontagiosas. Um marco na história da veterinária brasileira e mundial.

 

 

Acima, a foto emblemática do fotógrafo J. Pinto (1884 – 1951) registra o trabalho de embalagem dos frascos e acondicionamento das vacinas em caixas, no IOC. Para o fotógrafo Roberto Jesus Oscar, do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, onde a foto original de J. Pinto está depositada, essa imagem, gerada a partir de negativo de vidro, esbanja composição, enquadramento e equilíbrio de contrastes, enchendo a imagem de luz, volume e textura. Aos olhos de hoje a imagem pode causar estranheza, mas trata-se de uma ótima representação da história de Manguinhos, um ícone do acervo da Instituição.

É importante ressaltar que após a obtenção do registro da patente da vacina, Godoy efetuou uma escritura de cessão que transferia sua descoberta para o IOC, com o propósito de incentivar as atividades de exploração industrial do imunizante. A verba obtida com a venda da vacina auxiliou a instituição a cobrir gastos com o ensino, a pesquisa e a produção, sem submeter-se à burocracia governamental vigente, ao mesmo tempo em que representou um estímulo aos pesquisadores para o desenvolvimento de produtos biológicos a serem patenteados e vendidos (CHAMAS, 2006). Até 1917, ano da morte de Oswaldo Cruz, Godoy recebeu 5% da renda obtida com a venda das vacinas. A partir dessa data, esse percentual passou para 8% do total das vendas da vacina.

De acordo com um quadro elaborado por Oscar Meira, e apresentando por Benchimol, no período de 1906 a 1918 o Instituto produziu 7.111.698 doses da vacina contra a peste da manqueira. No mesmo período, a vacina foi o produto biológico mais produzido, perdendo apenas, em 1918, para a maleína, uma substância empregada no teste (prova de maleína) para diagnóstico do mormo, uma doença infectocontagiosa que acomete cavalos. (MORAES, 2008)

 

 

A princípio, a distribuição da vacina ficava a cargo do Ministério da Agricultura e de alguns órgãos públicos da esfera estadual e municipal. Cioso da importância da tarefa e obcecado com a eficiência deste processo, em 1913, Oswaldo Cruz (de chapéu branco, ao centro) cria a Seção de Propaganda da Vacina contra a Peste da Manqueira, assumindo totalmente a distribuição. Godoy está de pé, na ponta direita da foto.

A pesquisadora Alice Ferry de Moraes destaca o depoimento de Delfim Moreira, deputado estadual por Minas Gerais de 1894 a 1902, Secretário do Interior de Minas Gerais de 1914 a 1918 e, mais tarde, presidente do Brasil no período de 1918 a 1919, sobre o impacto da vacina (MORAES, 2008):

Se nós somos um país exportador de carne devêmo-lo (sic) a Manguinhos. Desse infalível produto, tirou Oswaldo Cruz, na época da pobreza daquele grande Instituto, o necessário para sua biblioteca, para as pesquisas, para o contrato de funcionários técnicos, enfim, todos os meios de progredir e realizar. (MAGALHÃES apud MORAES, 2008)

As vacinas foram produzidas pelo IOC até 1939. Em razão da promulgação de uma lei que proibia os cientistas lotados em instituições públicas de receberem dinheiro por suas patentes, Godoy fundou a Produtos Veterinários Manguinhos Ltda., juntamente com o pesquisador Astrogildo Machado, com quem criou outra vacina também importante – a vacina contra o Carbúnculo Hemático ou Verdadeiro, conhecido como Antraz, patenteada sob o n.º 9.981, em 1918 (CHAMAS, 2006).

 

Abaixo o texto de Oswaldo Godoy, filho de Alcides Godoy, publicado na Agência Fiocruz de Notícias em 15 de agosto de 2008, ano do centenário da primeira patente registrada pelo IOC:

 

‘A vacina contra a manqueira começou a ser distribuída e vendida já em 1906. Ela imunizava o gado com uma só aplicação. Na exposição de demografia e higiene realizada de Berlim, em junho de 1907, na qual o Instituto obteve a medalha de ouro, a vacina da manqueira foi um dos destaques selecionados, dentre os produtos fabricados para representar as atividades do IOC.

A premiação em Berlim foi determinante para que o Ministério da Justiça e Negócios Interiores aprovasse um novo regulamento, proposto por Oswaldo Cruz, visando expandir de modo expressivo as atribuições do Instituto, que passaria a gozar de considerável autonomia administrativa e financeira, sendo esta última garantida, principalmente, pela renda advinda da venda da vacina na manqueira. Tais recursos, que permitiam ao Instituto não depender apenas do orçamento governamental, foram fundamentais para contratar novos pesquisadores e, assim, ampliar o quadro de pessoal da instituição.

O próprio Oswaldo Cruz, em função da repercussão e da originalidade do processo desenvolvido por Godoy, aconselhou-o a patentear em seu nome a invenção. A carta patente nº 5.566 foi obtida em 24 de novembro de 1908. A publicação no Diário Oficial se deu em 6 de dezembro daquele ano. Ainda em 1908, cedeu, por escritura pública, ao Instituto Oswaldo Cruz, representado por seu diretor Oswaldo Cruz, os direitos de exploração comercial do seu privilégio de invenção (a vacina contra a manqueira).

No mesmo ano de 1908, Godoy publicou, com a colaboração de Gomes de Faria (que havia sido recentemente contratado pelo IOC), um trabalho analisando as variáveis no meio de cultura que poderiam ter causado a maior virulência da vacina responsável pelos problemas em Juiz de Fora, confirmando-se que a concentração da glicose havia sido a responsável pela redução da virulência da vacina (aspecto que havia sido identificado e solucionado por Godoy naquela ocasião, em 1906).

Além de dedicar-se ao tema da manqueira, como sua atividade principal, Godoy desenvolvia outras atividades – como era de praxe entre todos os pesquisadores de Manguinhos –, como a produção dos soros antidiftérico e antitetânico, e na dosagem do soro antipestoso. Com Astrogildo Machado, desenvolveu, em 1918, outra importante vacina produzida e comercializada pelo IOC, contra o carbúnculo hemático.

Outra frente importante de trabalho de Godoy em Manguinhos foi a criação de diversos dispositivos e aparelhos para facilitar e aperfeiçoar os procedimentos de produção, como o “frasco Dr. Godoy”, desenvolvido por ele para facilitar a coleta de mosquitos pelos “mata-mosquitos” que atuavam nas campanhas sanitárias.

Numa época em que as atividades de produção, ensino e pesquisa eram realizadas de modo bastante conjugado pelos pesquisadores, Godoy foi também professor do curso de aplicação do Instituto, criado em 1908 para oferecer treinamento experimental nas áreas de microbiologia e zoologia médica.

Godoy fez três viagens de estudo à Europa. Em 1912, foi enviado aos Laboratórios de Leipzig, na Alemanha, a fim de acompanhar pesquisas concernentes a questões de físico-química aplicada à ciência médica. Em 1919, permaneceu quatro meses na Europa; foi designado para esta viagem a partir da solicitação, feita a Manguinhos pela representação diplomática inglesa, para que algum médico embarcasse num navio inglês aportado no Rio cujo médico de bordo havia adoecido. Esta foi, conforme relatou certa ocasião, a única vez que exerceu a clínica médica. Finalmente, em 1925, esteve na Itália acompanhando Carlos Chagas no 1º Congresso de Malariologia, realizado em Roma, e para estudar os modernos processos de profilaxia da malária empregados naquele país.

Integrante do chamado “jardim da infância da ciência”, como Oswaldo Cruz carinhosamente chamava o grupo inicial de pesquisadores de Manguinhos, Godoy sempre gozou da confiança e apreço tanto de Cruz quanto de seu sucessor, Carlos Chagas, substituindo-os, várias vezes, em suas ausências, na direção do instituto.

Em 1923, Carlos Chagas solicitou ao Ministério da Justiça a renovação da patente da vacina da manqueira por mais 15 anos. Foi o segundo produto que obteve no Brasil a renovação da Patente, fato só obtido anteriormente pela Fornicída Matarazzo. Em 1937, como conseqüência da reforma implementada por Gustavo Capanema no Ministério da Educação e Saúde (criado em 1930, no âmbito da Revolução de 1930), foi vedada ao IOC a fabricação e comercialização desse e outros produtos veterinários.

Em 26 de junho de 1938, Godoy e Machado pediram o registro da marca genérica para produtos veterinários Manguinhos. Suas famílias fundaram em 25 de janeiro de 1939, uma firma que se chamou Produtos Veterinários Manguinhos Ltda, para fabricar e comercializar a vacina da manqueira, do carbúnculo hemático, e posteriomente a vacina contra a pneumoenterite dos porcos. O primeiro lugar em que estabeleceram o laboratório foi em prédio nos fundos do Hospital Gaffrée Guinle, na Rua Silva Ramos 20. Tiveram por muitos anos escritório na Rua Uruguaiana 33. Na década de 40 construíram um laboratório na Rua Licinio Cardoso 91 (hoje Rua Francisco Manuel), em Benfica.

Godoy casou-se com Dulce Leite de Castro em 5 setembro de 1923 e tiveram dois filhos: Oswaldo Tarcisio, que veio a se formar em Química Industrial e Engenharia Química e Margarida Maria, que estudou música, tocava piano e estudou na Europa. Faleceu em 30 de janeiro de 1950, aos 70 anos. Na década de 60 a família Godoy saiu da sociedade, que ficou com a família de Machado. A firma, que continua a fabricar a vacina da manqueira, foi vendida recentemente pelos seus descendentes e pertence hoje à empresa Bravet’.

 

* Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime L. Manguinhos do sonho à vida: a ciência na belle époque. Rio de Janeiro: Casa de Oswaldo Cruz; Fiocruz, 1990.

CHAMAS, Claudia Inês. A Propriedade Intelectual e a Vacina contra a Peste da ManqueiraRevista Brasileira de Inovação, [S.l.], v. 5, n. 1 jan/jun, p. 203-218, junho 2006. ISSN 2178-2822.

GODOY, Alcides. Primeira vacina veterinária desenvolvida e fabricada no Brasil completa 100 anos. Agência Fiocruz de Notícias.

MAGALHÃES, Octávio de. Alcides Godoy. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, t. 49, mar. 1951. p. 1-6.

MORAES, Alice Ferry de. A inovação e a vacina da peste da manqueira. Inf. &Soc.:Est., João Pessoa, v.18, n.3, p. 97-103, set./dez. 2008. ISSN 1809-4783

 

 

O fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, o J. Pinto (1884-1951) e a Fundação Oswaldo Cruz

Ricardo Augusto dos Santos*

 

 

A história da fotografia brasileira possui seus atores emblemáticos, como Marc Ferrez (1843 – 1923) e Augusto Malta (1864 – 1957). Mas, também, tem seus heróis quase desconhecidos ou anônimos que, encantados com a possibilidade de registrar em imagens a realidade, nos deixaram documentos relevantes para a memória e a história do país. Um expressivo número de fotografias do acervo da Fundação Oswaldo Cruz foi produzido por Joaquim Pinto da Silva, o J. Pinto (1884 – 1951), como ficou conhecido. Este fotógrafo produziu milhares de imagens, documentando os trabalhos científicos, os primeiros prédios e as transformações urbanas da região onde seria construído o centro de pesquisa, ensino e produção de medicamentos.

 

Acessando o link para as fotografias de autoria de J. Pinto disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias em que J. Pinto ou sua família aparecem disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Inicialmente, J. Pinto ocupou um acanhado e improvisado chalé, onde o laboratório fotográfico dividia espaço com a biblioteca do recém-criado Instituto Oswaldo Cruz (IOC). Em 1911, quase finalizado o Pavilhão Mourisco, J. Pinto seria instalado no belo castelo. Podemos observar, em seu trabalho, um notável domínio das técnicas fotográficas. Autor de inúmeras imagens, negativos em vidro e microfotografias científicas, J. Pinto, em final de 1928, enviou aos amigos um cartão desejando um feliz ano novo, contendo a imagem de seu rosto reproduzida cinco vezes. Este fato remete à original fotografia conhecida como Os trinta Valérios, realizada por Valério Vieira (1862-1941), em torno de 1901. O registro, um marco na história da fotografia, traz 30 imagens de Valério Vieira.

 

 

Pouco se sabe da vida deste importante personagem do IOC. Em final dos anos 1980, um grupo de pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz entrevistou um dos filhos de J. Pinto, Wilson Pinto, que forneceu algumas informações sobre seu pai. Infelizmente, idoso, sua saúde precária impossibilitava um depoimento fidedigno, assim como sua irmã Edna, que também quase nada dizia com exatidão sobre a vida de Joaquim Pinto. Porém, naquela tarde, obtivemos registros raros do fotógrafo e de sua família. No próprio acervo da Fiocruz, J. Pinto pouco aparece, a não ser em fotos de uma provável caçada em companhia de Carlos Chagas, ou em seu laboratório fotográfico.

 

 

Nascido em Alagoinhas, na Bahia, em 1884, J. Pinto teria vindo para o Rio de Janeiro com 14 anos. Seus pais eram José Camerino Pinto da Silva e Maria da Purificação. Casou-se com Izaura Costa da Silva e tiveram cinco filhos: Wilson, Milton, Elza, Zeni e Ilda. Depois de morar no Centro da cidade, comprou um terreno no Méier, na Rua Jacinto, número 67, construindo ali sua casa.

 

 

Em 1903, contratado por Oswaldo Cruz na fase inicial das atividades em Manguinhos, ele começou a documentar a construção do que viria a ser um dos principais centros de ciência e saúde do Brasil. Foi fotógrafo da instituição até 1946, quando se aposentou em decorrência de problemas de saúde. Mas as imagens produzidas por ele permaneceram como a memória fotográfica da Fundação Oswaldo Cruz. As fotos de sua autoria também mostram um Rio de Janeiro em processo de urbanização. J. Pinto, que se tornou amigo de Oswaldo Cruz (1872 – 1917) e de Carlos Chagas (1878 -1934), fotografou o aspecto rural de Manguinhos, que foi se transformando. Estão registrados a construção do Castelo, da avenida Brasil, os pesquisadores e instalações físicas. Em seus registros também aparecem construções, como o aquário, demolido, que era ligado à Baía de Guanabara por uma tubulação subterrânea, onde se estudavam organismos aquáticos; a cavalariça e a chaminé da antiga usina de incineração do lixo da cidade, também demolida no início da década de 1940.

 

 

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

 

 

Pequena cronologia de Joaquim Pinto da Silva  (1884-1951) 

 Andrea C. T. Wanderley**

1884 – O fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, que ficou conhecido como J. Pinto, nasceu em Alagoinhas, na Bahia, filho de José Camerino Pinto da Silva e Maria da Purificação.

c. 1898 – Com 14 anos, J. Pinto teria vindo para o Rio de Janeiro.

1903 – Foi contratado pelo médico e sanitarista Oswaldo Cruz na fase inicial das atividades em Manguinhos e começou a documentar a construção do que viria a ser um dos principais centros de ciência e saúde do Brasil.

1910 – Segundo o historiador Eduardo Thielen, que escreveu a dissertação Imagens da saúde no Brasil – A fotografia na institucionalização da saúde pública, J. Pinto teria sido possivelmente o autor do primeiro filme científico feito no Brasil, Chagas em Lassance. A obra, com 9 minutos de duração, era sobre a descoberta da doença de Chagas, feita pelo cientista Carlos Chagas, em Lassance, Minas Gerais, em 1909 (Agência Fiocruz, 15 de agosto de 2008).

1911 – Chagas em Lassance foi exibido por Oswaldo Cruz na Exposição Internacional de Higiene e Demografia de Dresden, na Alemanha (Agência Fiocruz, 15 de agosto de 2008). Também foi exibido o filme sobre as ações de combate à febre amarela no Rio de Janeiro. Esses dois filmes constituem o mais antigo acervo audiovisual científico preservado de que se tem notícia no Brasil. O pavilhão do Brasil, único país das Américas a construir um estande próprio no evento, foi inaugurado em 15 de junho (O Paiz, 16 de junho de 1911, quinta coluna).

1946 - J. Pinto aposentou-se devido a problemas de saúde.

1951 – Em outubro, falecimento de Joaquim Pinto da Silva. Sua missa de 30º dia foi realizada na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro (Diário de Notícias, 25 e 26 de novembro de 1951).

 

2014 – Lançamento do livro Vida, engenho e arte — O acervo histórico da Fundação Oswaldo Cruz, com imagens produzidas por J. Pinto (O Globo, 6 de junho de 2014).

2016 – Realização da exposição Manguinhos Revelado: um Lugar de Ciência, com cerca de 120 fotografias, a maioria de autoria de J. Pinto (Portal Fiocruz, 8 de novembro de 2016).

 

**Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

Novos acervos: Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz

Fotografia, Ciência e Saúde Pública 

 

 

As imagens aqui apresentadas integram o acervo histórico da Fundação Oswaldo Cruz, instituição de referência internacional na área das ciências biomédicas e cuja trajetória encontra-se intrinsecamente relacionada à formulação, planejamento e execução de políticas públicas de saúde no Brasil. Este acervo encontra-se sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fiocruz e centro de pesquisa e documentação dedicado à memória, à história das ciências biomédicas e da saúde pública e à educação e divulgação em ciência e saúde.

As origens da Fundação Oswaldo Cruz remetem ao Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, com o objetivo de produzir soros e vacinas contra a peste bubônica e que, em curto espaço de tempo, já como Instituto Oswaldo Cruz (IOC) em homenagem ao seu primeiro diretor Oswaldo Cruz (1872 – 1917) -, transformou-se no maior centro de medicina experimental da América Latina. O IOC – considerado o primeiro instituto de pesquisa da história do Brasil a trazer contribuições científicas durante um período constante, e o primeiro a dar ao país uma reputação científica internacional -, proporcionou os fundamentos para o desenvolvimento contínuo das ciências biomédicas no Brasil na primeira metade do século XX.

 

Acessando o link para as fotografias do acervo da Fiocruz disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Desde os primeiros anos de atividade, o IOC já contava com laboratório fotográfico próprio, e integrava em seus quadros funcionais o fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, contratado ainda na primeira década do século XX. Desde a origem do Instituto, a produção de registros fotográficos, entre outros suportes de informação tais como plantas arquitetônicas, correspondências, impressos etc, se firmou como uma das mais prolíficas, sendo instituída, formalmente, como um dos setores de produção institucional. A existência de um laboratório próprio no Instituto Oswaldo Cruz denota o interesse e a importância da produção de registros fotográficos para os trabalhos que ali seriam desenvolvidos.

As fotografias foram originadas durante o processo de constituição, institucionalização, crescimento e legitimação do IOC desde sua origem até meados do século passado. Esse período é caracterizado pela expansão e fortalecimento do Instituto Soroterápico Federal a partir de alguns sucessos obtidos. O primeiro deles diz respeito às bem sucedidas campanhas de Oswaldo Cruz contra a febre amarela, a peste bubônica e a varíola na capital da República. Na época, Oswaldo Cruz encontrava-se à frente da Diretoria de Saúde Pública, cargo que acumulou juntamente com a direção do Instituto até 1909. Outra vitória acumulada refere-se ao reconhecimento científico internacional das atividades desenvolvidas no IOC, através da premiação com a medalha de ouro na Exposição de Higiene de Berlim, em 1907, e do anúncio da descoberta de uma nova doença – a doença de Chagas – na Exposição Internacional de Higiene de Dresden, em 1911.

Após a morte de Oswaldo Cruz, seu trabalho à frente do IOC teve continuidade com o médico sanitarista Carlos Chagas (1879 – 1934) que, coincidentemente, também acumulou por um período (1920-1926) a direção do Instituto e da recém-criada Diretoria Nacional de Saúde Pública, restabelecendo mais uma vez uma ligação direta entre aquela instituição e o Estado brasileiro naquilo que se refere à saúde pública. Na gestão de Chagas (1917 – 1934), o IOC já era uma instituição consolidada, com autonomia financeira e administrativa suficientes para garantir uma expansão considerável das atividades de pesquisa, ensino e produção ali desenvolvidas.

 

 

A conformação institucional do IOC nos primeiros anos do século XX teve como consequência uma expansão de seu quadro de funcionários e a contratação de um fotógrafo reforça esse fato. A importância dada aos registros visuais pode ser também aferida pelo espaço que a atividade vai ganhando institucionalmente, seja na ocupação de ambientes considerados “nobres” no principal espaço edificado para abrigar o IOC – o castelo mourisco -, onde ocupou gabinetes específicos destinados à fotografia e à cinematografia, seja pela importância da atividade na hierarquia interna, consubstanciada pela obrigatoriedade de apresentação de um relatório anual de atividades à direção do IOC contendo informações veiculadas na forma de textos e imagens.

Hoje, o acervo fotográfico remanescente desse período inicial de consolidação do Instituto – embora tenha sofrido perdas importantes causadas por crises pelas quais passou o IOC –, é marcante e minucioso na sua potência de registro de uma memória do período. Assim, a série fotográfica ora apresentada diz respeito a três dimensões dos impactos da atuação do IOC no contexto sócio, político e científico do período que compreende as primeiras décadas do século XX: a construção de suas instalações na então pouco conhecida região de Manguinhos e suas articulações com o entorno; a era das expedições científicas ao interior do país visando mapear as condições de vida e saúde da população rural e que originou um importante debate político sobre os males da nova república e seus obstáculos ao “progresso”; e flagrantes do cotidiano da instituição, representados por registros de visitantes ilustres, dos professores e alunos dos cursos que o IOC promovia, de algumas atividades de laboratório e, sobretudo, a vida intramuros da instituição.

 

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime Larry. Manguinhos, do sonho à vida: a ciência na Belle Epoque. Rio de Janeiro: Fiocruz/COC, 1990.

Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz. A ciência a caminho da roça. Imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz, 1991.

LACERDA, Aline Lopes de; Mello, Maria Teresa Villela Bandeira de. Imágenes de la salud pública: la institucionalización del Instituto Oswaldo Cruz em Brasil. Dymanis. Acta Hispanica ad Medicinae Scientiarumque Historiam Illustrandam. Vol. 25, 2005, p. 179-198.

THIELEN, Eduardo Vilela. Imagens da saúde pública do Brasil: a fotografia na institucionalização da saúde pública. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992, p.158.

Fotografia, Ciência e Saúde Pública 

 

 

As imagens aqui apresentadas integram o acervo histórico da Fundação Oswaldo Cruz, instituição de referência internacional na área das ciências biomédicas e cuja trajetória encontra-se intrinsecamente relacionada à formulação, planejamento e execução de políticas públicas de saúde no Brasil. Este acervo encontra-se sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz, unidade da Fiocruz e centro de pesquisa e documentação dedicado à memória, à história das ciências biomédicas e da saúde pública e à educação e divulgação em ciência e saúde.

As origens da Fundação Oswaldo Cruz remetem ao Instituto Soroterápico Federal, criado em 1900, no bairro de Manguinhos, no Rio de Janeiro, com o objetivo de produzir soros e vacinas contra a peste bubônica e que, em curto espaço de tempo, já como Instituto Oswaldo Cruz (IOC) em homenagem ao seu primeiro diretor Oswaldo Cruz (1872 – 1917) -, transformou-se no maior centro de medicina experimental da América Latina. O IOC – considerado o primeiro instituto de pesquisa da história do Brasil a trazer contribuições científicas durante um período constante, e o primeiro a dar ao país uma reputação científica internacional -, proporcionou os fundamentos para o desenvolvimento contínuo das ciências biomédicas no Brasil na primeira metade do século XX.

Acessando o link para as fotografias do acervo da Fiocruz disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Desde os primeiros anos de atividade, o IOC já contava com laboratório fotográfico próprio, e integrava em seus quadros funcionais o fotógrafo Joaquim Pinto da Silva, contratado ainda na primeira década do século XX. Desde a origem do Instituto, a produção de registros fotográficos, entre outros suportes de informação tais como plantas arquitetônicas, correspondências, impressos etc, se firmou como uma das mais prolíficas, sendo instituída, formalmente, como um dos setores de produção institucional. A existência de um laboratório próprio no Instituto Oswaldo Cruz denota o interesse e a importância da produção de registros fotográficos para os trabalhos que ali seriam desenvolvidos.

As fotografias foram originadas durante o processo de constituição, institucionalização, crescimento e legitimação do IOC desde sua origem até meados do século passado. Esse período é caracterizado pela expansão e fortalecimento do Instituto Soroterápico Federal a partir de alguns sucessos obtidos. O primeiro deles diz respeito às bem sucedidas campanhas de Oswaldo Cruz contra a febre amarela, a peste bubônica e a varíola na capital da República. Na época, Oswaldo Cruz encontrava-se à frente da Diretoria de Saúde Pública, cargo que acumulou juntamente com a direção do Instituto até 1909. Outra vitória acumulada refere-se ao reconhecimento científico internacional das atividades desenvolvidas no IOC, através da premiação com a medalha de ouro na Exposição de Higiene de Berlim, em 1907, e do anúncio da descoberta de uma nova doença – a doença de Chagas – na Exposição Internacional de Higiene de Dresden, em 1911.

Após a morte de Oswaldo Cruz, seu trabalho à frente do IOC teve continuidade com o médico sanitarista Carlos Chagas (1879 – 1934) que, coincidentemente, também acumulou por um período (1920-1926) a direção do Instituto e da recém-criada Diretoria Nacional de Saúde Pública, restabelecendo mais uma vez uma ligação direta entre aquela instituição e o Estado brasileiro naquilo que se refere à saúde pública. Na gestão de Chagas (1917 – 1934), o IOC já era uma instituição consolidada, com autonomia financeira e administrativa suficientes para garantir uma expansão considerável das atividades de pesquisa, ensino e produção ali desenvolvidas.

 

 

A conformação institucional do IOC nos primeiros anos do século XX teve como consequência uma expansão de seu quadro de funcionários e a contratação de um fotógrafo reforça esse fato. A importância dada aos registros visuais pode ser também aferida pelo espaço que a atividade vai ganhando institucionalmente, seja na ocupação de ambientes considerados “nobres” no principal espaço edificado para abrigar o IOC – o castelo mourisco -, onde ocupou gabinetes específicos destinados à fotografia e à cinematografia, seja pela importância da atividade na hierarquia interna, consubstanciada pela obrigatoriedade de apresentação de um relatório anual de atividades à direção do IOC contendo informações veiculadas na forma de textos e imagens.

Hoje, o acervo fotográfico remanescente desse período inicial de consolidação do Instituto – embora tenha sofrido perdas importantes causadas por crises pelas quais passou o IOC –, é marcante e minucioso na sua potência de registro de uma memória do período. Assim, a série fotográfica ora apresentada diz respeito a três dimensões dos impactos da atuação do IOC no contexto sócio, político e científico do período que compreende as primeiras décadas do século XX: a construção de suas instalações na então pouco conhecida região de Manguinhos e suas articulações com o entorno; a era das expedições científicas ao interior do país visando mapear as condições de vida e saúde da população rural e que originou um importante debate político sobre os males da nova república e seus obstáculos ao “progresso”; e flagrantes do cotidiano da instituição, representados por registros de visitantes ilustres, dos professores e alunos dos cursos que o IOC promovia, de algumas atividades de laboratório e, sobretudo, a vida intramuros da instituição.

 

 

Fontes:

BENCHIMOL, Jaime Larry. Manguinhos, do sonho à vida: a ciência na Belle Epoque. Rio de Janeiro: Fiocruz/COC, 1990.

Fundação Oswaldo Cruz. Casa de Oswaldo Cruz. A ciência a caminho da roça. Imagens das expedições científicas do Instituto Oswaldo Cruz ao interior do Brasil entre 1911 e 1913. Rio de Janeiro: Fiocruz/Casa de Oswaldo Cruz, 1991.

LACERDA, Aline Lopes de; Mello, Maria Teresa Villela Bandeira de. Imágenes de la salud pública: la institucionalización del Instituto Oswaldo Cruz em Brasil. Dymanis. Acta Hispanica ad Medicinae Scientiarumque Historiam Illustrandam. Vol. 25, 2005, p. 179-198.

THIELEN, Eduardo Vilela. Imagens da saúde pública do Brasil: a fotografia na institucionalização da saúde pública. Dissertação de mestrado, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 1992, p.158.