A Praça da Bandeira pelas lentes de Augusto Malta (1864 – 1957)

A Brasiliana Fotográfica traz a história da Praça da Bandeira desde sua criação, em 1911. Anteriormente era denominada Largo do Matadouro por ter abrigado de 1853 até o final do século XIX o Matadouro Público do Rio de Janeiro. A nova nomenclatura foi brindada com a realização de uma Festa da Bandeira oficial na renovada praça. Luiza Ferreira, gerente de pesquisa do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro, uma das instituições parceiras do portal, é a autora da publicação. As imagens são do alagoano Augusto Malta (1864 – 1957), que foi o fotógrafo da prefeitura da cidade entre 1903 e 1936, e de seu filho, Uriel Malta (1910 – 1994).

De Largo do Matadouro à Praça da Bandeira

Luiza Ferreira*

 

Em 19 de novembro de 1911, o jornal Correio da Manhã anunciou a assinatura pelo prefeito Bento Ribeiro (1910-1914) do Decreto nº 842, que alterou a denominação do antigo Largo do Matadouro para Praça da Bandeira. A nova nomenclatura homenageava a bandeira brasileira, cuja celebração havia sido instituída em 1889, pelo Decreto Federal nº 4, logo depois de instaurada a República. A legislação, promulgada no dia anterior, afirmava:

“Considerando não haver motivo algum que justifique a conservação do atual nome de largo do Matadouro à parte alargada da rua Mariz e Barros ao encontrar-se com a rua de S. Cristóvão;

Considerando que o culto ao símbolo representativo da nossa nacionalidade é a maior demonstração que se pode dar de intenso patriotismo;

Usando da atribuição que a lei lhe confere, decreta:

O atual largo do Matadouro, no distrito do Engenho Velho, passa a ter a denominação de praça da Bandeira”.

A praça foi reformulada em 1910, na gestão do prefeito Serzedelo Correia (1909-1910) e do presidente Nilo Peçanha (1909-1910). Para a sua composição, cortou-se a Rua S. Cristóvão e a Rua Mariz e Barros, onde em seu trecho final, próximo à Ponte dos Marinheiros (hoje Viaduto dos Marinheiros), passou a chamar-se Rua Elpídio da Boamorte.

Acessando o link para as fotografias da Praça da Bandeira disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

A região era conhecida como Largo do Matadouro por ter abrigado desde 1853 até o final do século XIX o Matadouro Público, este que anteriormente funcionava ao final da Rua Santa Luzia, no centro da cidade. O edifício projetado pelo engenheiro Paulo Barbosa da Silva foi erguido no terreno da antiga Chácara do Curtume. O pórtico, atribuído a José Maria Jacinto Rabelo, é o único vestígio do antigo prédio. Em 1881, o Matadouro foi transferido para Santa Cruz, deixando o logradouro órfão da função que lhe havia sido conferida por quase 30 anos.

A nova nomenclatura foi brindada pela realização de uma Festa da Bandeira oficial na renovada praça, esta que já acontecia anualmente no Paço Municipal, no Ministério da Guerra, na Marinha, dentre outros. De caráter altamente patriótico, afastando-se do seu significado atual, a data passou a ser festejada e bastante estimada não apenas entre os círculos militares e políticos, como também pela população. De acordo com o jornal Correio da Manhã, o novo nome era um desejo dos próprios moradores do local:

“Este ano, as festas organizadas vão ter um desusado brilho pelo motivo de haver o prefeito do Distrito Federal atendido à representação que lhe fora dirigida no sentido de ser dada a denominação de praça da Bandeira àquele antigo largo, sendo as novas placas hoje inauguradas com toda a cerimônia, assistindo ao ato os representantes daquela alta autoridade”.

No ano anterior, em razão das festividades, o jornal O País anunciara os representantes da comissão encarregada da mudança de nomenclatura do logradouro. Segundo o periódico, a alteração seria uma decisão pautada na memória local:

“No largo do Matadouro a festa da bandeira foi feita sob a direção de uma comissão composta dos seguintes moradores do local: Henrique A. da Silveira, Zozimo Peçanha, João Gomes Braga e Adolpho de Almeida (…) É pensamento da comissão acima nomeada e por delegação dos moradores, requerer ao Sr. prefeito a mudança do nome de largo do Matadouro para o de praça da Bandeira, por ter sido esse o local em que pela primeira vez, em 1908, fizeram-se festas verdadeiramente populares em comemoração do estandarte pátrio”.

No dia seguinte ao evento realizado em 1911, quando a Praça teve o seu novo nome finalmente reconhecido, o Jornal do Brasil reiterou a vocação festiva do logradouro:

“As comemorações cívicas que de algum tempo a esta parte o vêm realizando no velho largo do Matadouro, têm com razão despertado curiosidade da população, que as tem admirado como um belo resultado de esforços de um grupo dos que ali residem. E tanto essas festas têm sido realmente brilhantes e de animação pouco comum, que muitos dos habitantes do centro da cidade e de diversas localidades suburbanas a ela têm concorrido admirando-lhe o bom gosto, a par do mais vivo entusiasmo. (…) O velho largo do Matadouro estava deslumbrante, com a ornamentação que lhe fizeram, ostentando uma profusão de bandeiras, folhagens e arbustos dispostos artisticamente”.

De acordo com o periódico, a programação no local incluiu a banda do 4º Regimento de Infantaria da Brigada Policial que se apresentou no Coreto. Realizou-se ainda o culto à bandeira, a solenidade de hasteamento desta e, após, a inauguração das placas com o novo nome de Praça da Bandeira. Após a batalha de confete, e já sinalizando o final dos festejos, às 20 horas se deu a queima de fogos.

 

 

Apesar da nova imagem, a região continuou a ser assolada por grandes enchentes, consequência de sua localização geográfica em terreno pantanoso. Em 8 de dezembro de 1911, poucos dias após as festividades da bandeira, a Praça voltava às colunas do Jornal do Brasil por motivo pouco nobre:

“O último temporal que desabou sobre a cidade veio provar que há necessidade de cuidar seriamente do meio das águas terem pronto escoamento, evitando as enchentes que tantos prejuízos causam à população.
Entre outros pontos inundados são dignos de nota a praça da Bandeira e ruas Mariz e Barros e Matoso”.

Considerando o temporal ocorrido, o jornal A Noite publicou uma seção intitulada “A praça da Bandeira continua a ser o largo do Matadouro”, onde se lia:

“O largo do Matadouro é considerado um lugar maldito, alguma coisa parecida com a antessala do inferno. As inundações são ali tradicionais – e que inundações! A água cobre às vezes um homem e têm feito muitas vítimas.”

Apesar desta limitação, a partir de 1918 a praça passou a receber grandes feiras livres, que resultavam de um movimento diretamente relacionado à carestia gerada pela 1ª Guerra Mundial. As feiras se instalaram no local em razão de sua localização próxima a bairros centrais e devido à abundância de transportes na região.

De aparência renovada, nas décadas seguintes a Praça da Bandeira solidificou o seu caráter comercial, recebendo diversos serviços como confeitarias, restaurantes, ourivesarias, circos, salas de teatros e cinema, além de abrigar prédios públicos das diferentes esferas de governo.

A área foi afetada por grandes obras levadas a cabo na gestão do governador Carlos Lacerda (1960-1965), como a Avenida Radial Oeste e o Trevo das Forças Armadas. Datam também das décadas de 1960-70 a construção das Estações Praça da Bandeira, substituindo a antiga Estação Lauro Muller, e da nova Estação de Metrô – São Cristóvão.

 

 

Nos últimos anos, a tradicional praça passou por obras de infraestrutura na tentativa de minimizar os efeitos causados pelas chuvas na região. Nesse sentido, foram construídos reservatórios subterrâneos para o armazenamento do excesso de água.

Menos “badalada” que no início do século XX, a região ainda hoje é o território limítrofe entre as regiões central e norte da cidade.

 

*Luiza Ferreira é Gerente de Pesquisa do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

 

Fontes:
Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional:

A Noite, 6 de dezembro de 1911
Correio da Manhã, 19 de novembro de 1911
Jornal do Brasil, 20 de novembro de 1911
Jornal do Brasil, 8 de dezembro de 1911
O Paiz, 20 de novembro de 1910

Biblioteca Oswaldo Porto Rocha, AGCRJ:

DISTRITO FEDERAL. Boletim da Prefeitura do Distrito Federal, 1911.

GERSON, Brasil. História das Ruas do Rio. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi, 2013.

Site de Monumentos do Rio