No Dia do Historiador, um artigo sobre o ofício

No Dia do Historiador, a Brasiliana Fotográfica publica o artigo O Ofício do Historiador, de Ricardo Augusto dos Santos, pesquisador titular da Fundação Oswaldo Cruz, parceira do portal desde agosto de 2017. Nele o autor nos revela o trabalho realizado por pesquisadores da instituição, que seguem rotinas para organizar e identificar documentos, sejam eles relatórios, manuscritos ou fotografias. Também dá exemplos de algumas descobertas feitas por historiadores a partir de entrevistas e de pesquisas objetivas ou não. Destaca os acervos, abertos a consulta, dos médicos Belisário Penna (1868 – 1939) e Renato Kehl (1889 – 1978), “descobertos” sogro e genro a partir de uma entrevista com uma das filhas de Belisário.

O Dia do Historiador foi instituído, no Brasil, pela  Lei nº 12.130/2009, de 17 de dezembro de 2019, em homenagem ao nascimento do diplomata e escritor pernambucano Joaquim Nabuco (1849-1910). É comemorado, desde 2010, no dia 19 de agosto. No última dia 14 de agosto, a Brasiliana Fotográfica publicou o artigo Uma homenagem ao historiador José Murilo de Carvalho (1939 – 2023), sobre ele, que foi um dos maiores historiadores do Brasil.

O ofício de historiador também foi tema de uma poesia do grande poeta Carlos Drummond de Andrade (1902 – 1987).

 

Historiador 

Veio para ressuscitar o tempo

e escalpelar os mortos,

as condecorações, as liturgias, as espadas,

o espectro das fazendas submergidas,

o muro de pedra entre membros da família,

o ardido queixume das solteironas,

os negócios de trapaça,

as ilusões jamais confirmadas nem desfeitas. 

Veio para contar

o que não faz jus a ser glorificado

e se deposita, grânulo,

no poço vazio da memória.

É importuno,

sabe-se importuno e insiste,

rancoroso, fiel.

 

Carlos Drummond de Andrade, in Paixão Medida

 

O Ofício do Historiador

 Ricardo Augusto dos Santos*

 

O ofício do historiador apresenta afinidade com a ciência que estuda vestígios materiais da presença humana. Munidos de instrumentos adequados, historiadores e arqueólogos realizam suas investigações, revelando fontes inexploradas. Nestas disciplinas, a busca de objetos soterrados pelo tempo, vestígios do cotidiano, alcançam novas dimensões, indicando aspectos desconhecidos sobre as sociedades, surgindo um manancial de informações, tornando acessível o conhecimento.

Pacientemente, são retiradas camadas de terra acumuladas pelos homens, recuperando práticas e ideias. O trabalho historiográfico, além das semelhanças com uma arqueologia documental, é igualmente marcado pela ideia do resgate. Sem dúvida, a similitude da prática historiográfica com a pesquisa arqueológica é atraente.

O ofício historiográfico realiza-se em estreita relação e, simultaneamente, à descoberta, organização e divulgação dos documentos encontrados. Vamos falar de alguns exemplos.

No início da década de 1990, pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz entrevistaram Maria Penna, a última filha viva de Belisário Penna (1868-1939). Em meio às perguntas, a gentil senhora exclamou: Vocês deveriam fazer essas perguntas a minha irmã, a Eunice. Mas, infelizmente, ela morreu. Ela foi casada com Renato Kehl.

 

 

Naquela época, não possuíamos conhecimento do parentesco unindo estes dois intelectuais. Após a entrevista, dias depois, determinei tarefas a uma estagiária. Seria sua responsabilidade a pesquisa sobre Renato Kehl (1889-1974). Em pouco tempo, a aprendiz de pesquisadora, mencionou a novidade: seu pai conhecia Sergio Kehl, filho de Renato e, portanto, neto de Belisário. Contactado, Sérgio estava doente e desejava doar rapidamente o acervo do famoso eugenista. Assim foi feito. Os documentos de Kehl foram incorporados ao Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz.

 

 

Os importantes acervos dos intelectuais Belisário Penna e Renato Kehl estão sob a guarda da COC/FIOCRUZ e estão abertos a consulta. São textos, fotos, relatórios e recortes de jornais que registram a presença das ideias eugênicas e sanitaristas no Brasil.

 

Acessando o link para as fotografias do acervo de Renato Kehl disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Acessando o link para as fotografias do acervo de Belisário Penna disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

Na época da citada entrevista, ainda se tinha uma visão embaçada sobre a trajetória de Belisário. Por exemplo, pensava-se que ele fosse primo de Affonso Penna, presidente do Brasil entre 1906 e 1909. Entretanto, investigando os documentos, apuramos que Maria Guilhermina de Oliveira Penna, nascida em Barbacena (1857-1929), irmã de Belisário, casou-se em 23 de janeiro de 1875 com Affonso Augusto Moreira Penna (1847-1909) que exerceria a presidência da República e faleceu durante seu mandato. Portanto, Belisário era cunhado do presidente.

Entretanto, outros laços familiares se revelaram. Eunice Penna, filha de Belisário, como já mencionado, casou-se com Renato Kehl. Além desta união, outro casamento consolidou os laços entre as famílias Penna e Kehl. João Fernandes de Oliveira Penna, filho de Belisário, uniu-se com a irmã de Kehl, Cecília Ferraz Kehl.

Mas, um outro fato interessante que ilustra a atividade historiográfica merece destaque. Uma característica da profissão é a existência de rotinas de pesquisa, além de uma perseverança quase sem limite. Os profissionais que trabalham na organização de fontes, não ignoram que determinados itens, ao final da organização dos fundos documentais e inserção de dados nas bases, permanecem algum tempo sem identificação, dificultando sua inclusão nas séries documentais. Temporariamente,  o documento (relatório, manuscrito, foto), poderá ficar fora do arranjo. O processo de identificação irá demandar mais investimento, mas esse obstáculo é superado.

Entre os documentos do acervo de Renato Kehl, destaca-se um pequeno conjunto de fotografias. Uma foto deste arquivo permanecia desconhecida. Não havia anotação em seu verso. Aparentemente, nenhuma fotografia do acervo estava relacionada. Mas, eu conservava a sensação de que conhecia o lugar. Que já havia visto a cena. Assistindo a um documentário sobre a cidade do Rio de Janeiro, fartamente acompanhado de imagens do início do século XX, identifiquei o local da fotografia. Trata-se do monumental Palácio das Festas. Um prédio edificado no Rio de Janeiro para a Exposição Internacional do Centenário da Independência em 1922. O edifício foi considerado uma das obras mais belas da exposição e contava com obras de arte para ornamentá-lo. Assim como a maioria das construções, o Pavilhão de Festas foi demolido após o fim da comemoração. A obra possuía salas para mostras. A entrada do palácio era decorada com motivos relacionados à natureza brasileira.

 

 

Uma das apresentações montadas no local foi preparada pelo recém-criado Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP). Esse órgão administrativo da saúde pública era uma antiga reivindicação dos intelectuais sanitaristas, que acreditavam que somente uma organização nacional resolveria os graves problemas de saúde no Brasil. A instalação dessa apresentação de fotos e maquetes realizada pelo DNSP obteve ampla repercussão, sendo saudada pela imprensa como um momento vital para a salvação do país. O médico Renato Kehl, funcionário do DNSP, trabalhou na produção.

Em seu arquivo pessoal, Renato Kehl guardou dezenas de imagens fotográficas desta mostra. Podemos averiguar que o objetivo da exposição do DNSP era colaborar para a educação higiênica das populações rurais e urbanas. Os objetos e fotografias, reunidas no trabalho, realçam o valor dos ensinamentos da higiene. As imagens são um fragmento da campanha educativa e sanitária que deveria ser instalada no Brasil. São imagens das habitações típicas das áreas rurais, infestadas de insetos transmissores de doenças. Também eram apresentados os modelos corretos de casas rurais que os camponeses deveriam construir.(1)

 

 

 

(1) Sobre a exposição do DNSP, ver https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=18805

 

*Ricardo Augusto dos Santos é Pesquisador Titular da Fundação Oswaldo Cruz

Fontes:

ALVES, Fernando Antônio Pires; SANTOS, Ricardo Augusto dos; HAMILTON, Wanda Suzana. Acervo da Casa de Oswaldo Cruz. História, Ciências, Saúde- Manguinhos.  Outubro 1994, Volume 1, nº 1, Págs.. 145-152.

O Dia Internacional das Mulheres

A Brasiliana Fotográfica celebra o Dia Internacional das Mulheres, 8 de março, data instituida, em 1975, pela Nações Unidas, elencando os artigos da Série Feministas, Graças a Deus, publicados no portal, sobre mulheres que se destacaram na luta pela emancipação feminina com a conquista do direito ao voto, de maiores oportunidades de trabalho e de maior acesso à educação. São elas: Almerinda Farias Gama, Bertha Lutz, Carmen Portinho, Elvira Komel, Júlia Augusta de Medeiros, Maria de Miranda Leão, Maria Prestia, Mariana Coelho e Natércia da Cunha Silveira.

As fotografias são do acervo do Arquivo Nacional, uma das instituições parceiras do portal e seus autores foram J. Bonfioti, a Photo Skarke, a Fotografia Alemã, Louis Piereck (1880 – 1931), o Serviço Photographico de Vida Doméstica, além de fotógrafos ainda não identificados.

Os artigos foram escritos pelas historiadoras e pesquisadoras do Arquivo Nacional Claudia Heynemann, Maria do Carmo Rainho e Maria Elizabeth Brêa Monteiro; e também por Maria Silvia Lavieri Gomes, historiadora do Instituto Moreira Salles, e por Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica. No final deste mês, será publicado o décimo artigo da série, sobre Maria Luisa Dória Bittencourt, a primeira deputada baiana.

 

Série “Feministas, graças a Deus!”

 

Série “Feministas, graças a Deus!” I – Elvira Komel, a feminista mineira que passou como um meteoro, publicado em 25 de julho de 2020, de autoria da historiadora Maria Silvia Pereira Lavieri Gomes, do Instituto Moreira Salles, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” II  – Natércia da Cunha Silveira (1905 – 1993), o jequitibá da floresta, publicado em 20 de agosto de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” III  – Bertha Lutz e a campanha pelo voto feminino: Rio Grande do Norte, 1928, publicado em 29 de setembro de 2020, de autoria de Maria do Carmo Rainha, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” IV  – Uma sufragista na metrópole: Maria Prestia (? – 1988), publicado em 29 de outubro de 2020, de autoria de Claudia Heynemann, doutora em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” V – Feminista do Amazonas: Maria de Miranda Leão (1887 – 1976), publicado em 26 de novembro de 2020, de autoria de Maria Elizabeth Brêa Monteiro, mestre em História e pesquisadora do Arquivo Nacional

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” VI – Júlia Augusta de Medeiros (1896 – 1972) fotografada por Louis Piereck (1880 – 1931), publicado em 9 de dezembro de 2020, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” VII – Almerinda Farias Gama (1899 – 1999), uma das pioneiras do feminismo no Brasil, publicado em 26 de fevereiro de 2021, de autoria de Andrea C.T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” VIII – A engenheira e urbanista Carmen Portinho (1903 – 2001), publicado em 6 de abril de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

 

Série “Feministas, graças a Deus!” IX – Mariana Coelho (1857 – 1954), a “Beauvoir tupiniquim”, publicado em 15 de junho de 2021, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, pesquisadora e editora do portal Brasiliana Fotográfica

 

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, registros de 1910

A Brasiliana Fotográfica traz hoje para seus leitores o artigo “Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910″, do historiador Paulo Celso Corrêa, do Museu da República, uma das instituições parceiras do portal. As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, em 1909. Sob a responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. Com o texto, estão disponibilizadas as 14 fotos de um álbum da Coleção Nilo Peçanha referentes ao tema. São cenas dos cinco primeiros meses de funcionamento da escola, com as crianças tendo aulas e participando de oficinas de marcenaria, funilaria, sapataria, entre outras. Em 1937, as Escolas de Aprendizes e Artífices foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas, 1910

Paulo Celso Corrêa*

 

As Escolas de Aprendizes e Artífices foram criadas durante o governo do presidente Nilo Peçanha, pelo decreto nº. 7.566 de 23 de setembro de 1909. Funcionando sob responsabilidade do recém-criado Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, elas ofereciam ensino primário e profissional para menores de idade pobres, com a finalidade de formá-los em operários e contramestres para a indústria. As escolas deveriam ser instaladas na capital de cada estado, a não ser que já houvesse ali instituição de ensino com o mesmo propósito. Em Maceió, capital de Alagoas, a Escola de Aprendizes e Artífices foi inaugurada em 21 de janeiro de 1910. O conjunto de fotos abaixo retrata cenas cotidianas dos cinco primeiros meses de funcionamento da instituição, reunidas em um álbum oferecido a Nilo Peçanha e que atualmente faz parte do acervo do ex-presidente no Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República.

 

 

Atribuí-se a Nilo Peçanha a frase “O Brasil futuro sairá das escolas profissionais”. O empenho de seu curto governo pela criação das Escolas de Aprendizes e Artífices representou uma ação direta do estado republicano no sentido de formar mão-de-obra qualificada e disciplinar, pelo trabalho, os filhos da camadas mais pobres da população urbana. É o que afirma a justificativa oficial para o decreto de 1909: “o aumento constante da população das cidades exige que se facilite às classes proletárias os meios de vencer as dificuldades sempre crescentes da luta pela existência; que para isso se torna necessário, não só habilitar os filhos dos desfavorecidos da fortuna com o indispensável preparo técnico e intelectual, como fazê-los adquirir hábitos de trabalho profícuo, que os afastará da ociosidade, escola do vício e do crime; que é um dos primeiros deveres do Governo da República formar cidadãos úteis à Nação”.

 

 

Não foi, porém, a primeira iniciativa do tipo, visto que instituições públicas ou privadas de ensino profissional já existiam desde o século anterior, como as Escolas de Aprendizes dos Arsenais de Guerra e Marinha e o Asilo de Meninos Desvalidos, no Rio de Janeiro. Destas predecessoras, as novas escolas herdaram algumas formas de organização e o caráter profissionalizante e correcional. Após a Revolução de Outubro de 1930, as Escolas de Aprendizes e Artífices passaram a integrar o novo Ministério da Educação e Saúde Pública e, em 1937, foram transformadas em Liceus de Artes e Ofícios. Estas instituições de ensino técnico e profissionalizante deram origem às posteriores Escolas Técnicas, Centros Federais de Educação Tecnológica e Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia.

 

Acessando o link para as fotografias da Escolas de Aprendizes e Artífices de Alagoas disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

A Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas funcionou na Rua Boa Vista, no centro de Maceió e seu primeiro diretor foi o engenheiro Miguel Guedes Nogueira. Na primeira página do álbum há uma descrição datilografada das atividades realizadas e da freqüência dos alunos, naqueles cinco primeiros meses de funcionamento. Havia 81 alunos matriculados, sendo a frequência média diária de 69 alunos. Registrava-se também a cor da pele dos alunos. Eram 21 negros, 36 “trigueiros” (mestiços) e 24 brancos. Além dos cursos primário e de desenho, funcionavam as oficinas de marcenaria, carpintaria, serralheria, sapataria e funilaria. A descrição ainda assegurava que a escola “está situada no centro mais populoso da capital e conta com os principais elementos de higiene e asseio”. O regime era de externato, isto é, os alunos não residiam na escola.

 

 

Para se candidatarem às vagas, os menores deveriam ser preferencialmente pobres (“desfavorecidos da fortuna”), terem entre 10 e 13 anos de idade (o limite foi posteriormente elevado a 16 anos) e não possuírem doença infecto-contagiosa nem “defeitos” (físicos, mentais) que impedissem o aprendizado do ofício. Os cuidados com a saúde e higiene dos futuros operários continuariam dentro da escola, com aulas de ginástica sueca, para corrigir a postura e evitar doenças, e ginástica militar, com uniformes e réplicas de armas, para acostumar os meninos à vida de soldado que, na ideologia republicana oficial, era a outra forma de os cidadãos pobres serem “úteis” à Nação. O ensino também visava à formação moral dos alunos, que receberiam noções de bons costumes e conversação e orientação contra os vícios do álcool e do fumo.

 

 

 

Para a formação básica dos alunos, a instituição oferecia um curso primário, dividido em elementar (para os analfabetos) e complementar, cada um com dois anos de duração; e um curso de desenho, com duração de quatro anos. As disciplinas do curso primário incluíam leitura, escrita, educação moral e cívica, ciências físicas e naturais, caligrafia e aritmética. Já o curso de desenho consistia no ensino de geometria prática, agrimensura e arquitetura. Segundo o relatório de 1910 do diretor da escola alagoana, a maioria dos alunos matriculados naquele ano necessitaram do curso elementar.

 

 

 

No início de seu funcionamento, a escola de Alagoas ofereceu cursos de marcenaria, carpintaria, funilaria, serralheria e sapataria, considerados os mais adequados às necessidades da indústria local. No entanto, o próprio diretor reconheceu o caráter experimental do funcionamento das oficinas em seu primeiro ano, seja pela sua pouca familiaridade com os assuntos, seja pelas necessidades práticas de organização da escola. De modo a permitir que os alunos aprendessem com segurança e tomassem gosto pela arte, foram improvisadas matérias-primas baratas como ferros velhos, latas vazias, restos de madeira de obras e caixões.

A renda obtida pela venda dos artefatos produzidos nas oficinas custearia as despesas da escola. O saldo remanescente da atividade de cada oficina deveria ser aplicado na Caixa Econômica ou Coletoria Federal para que fosse repartida em 15 quotas iguais, sendo uma para o diretor, quatro para o mestre e 10 para os aprendizes – estas últimas distribuídas em prêmios que variavam de acordo com a aptidão e nível de cada um. Os alunos também receberiam prêmios de acordo com o desempenho de suas oficinas em exposição anual, cuja avaliação caberia ao júri formado pelo diretor, pelo mestre e pelo inspetor agrícola do distrito.

 

 

 

 

 

 

A julgar pelo relatório do seu primeiro diretor, a Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas padeceu, em sua fase inicial de funcionamento, dos mesmos problemas de organização enfrentados por suas congêneres das outras capitais. Os imóveis e instalações eram precários, faltava preparo aos diretores, professores e mestres para o ensino profissional, não havia planejamento curricular. Outro problema comum era a evasão escolar que, na opinião do diretor alagoano, era culpa da ignorância dos pais e de sua inconsciência da responsabilidade moral sobre a educação dos filhos, que ficavam largados a sua “vontade infantil”. Por outro lado, o que os alunos ganhavam na escola como fruto de seu trabalho não era suficiente para contribuir na luta diária pela sobrevivência de suas famílias, razão pela qual muitas crianças abandonavam os estudos profissionais cedo, ou tão logo dominassem conhecimentos práticos que os permitissem trabalhar noutros lugares.

 

* Paulo Celso Liberato Corrêa é cientista político do Arquivo Histórico e Institucional do Museu da República.

 

Fontes:

Presidência da República do Brasil. Decreto nº 7566, de 23 de setembro de 1909.

CARVALHO, Marcelo Augusto Monteiro de. Nilo Peçanha e a criação das Escolas de Aprendizes e Artífices no contexto da Primeira República (EAAs): 1910-1914. In: Anais da 7ª Conferência Internacional de História de Empresas e IX Encontro de Pós Graduação em História Econômica. Ribeirão Preto: USP/ABPHE, 2019.

LIMA, Marcondes dos Santos. Entre os rastros e pistas da memória da Escola de Aprendizes e Artífices de Alagoas (1910-1913). In Novas epistemes e narrativas contemporâneas – Anais do V Congresso Internacional de História [suporte digital] / Antonio Ricardo Calori de Lion; Robson Pereira da Silva, Sandra Nara da Silva Novais. Jataí: Gráfica UFG, 2016. http://www.congresso2016.congressohistoriajatai.org/conteudo/view?ID_CONTEUDO=319

NOGUEIRA. Miguel Guedes. Relatório apresentado ao Ex. Sr. Dr. Pedro de Toledo, ministro da Agricultura, Indústria e Comércio pelo Diretor da Escola de Aprendizes e Artífices do Estado de Alagoas. Maceió: Livraria Fonseca, 1910.

SOARES, Manoel de Jesus A. As Escolas de Aprendizes e Artífices – estrutura e evolução. In Revista Fórum Educacional v. 6, n. 2. Rio de Janeiro, 1982. pp 58-92.