Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto d’Ave e a moderna arquitetura hospitalar

Em momentos de crises sanitárias como a que vivemos, nunca foi tão importante pensar nos hospitais. Se hoje assistimos à edificação emergencial desses prédios com normas específicas para atender aos casos de Covid-19, há cem anos já se observava os preceitos da bacteriologia ditando a moderna arquitetura hospitalar. Assim Cristiane d´Avila, jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, inicia seu artigo, no qual conta a história da parceria entre o médico Carlos Chagas, o empresário Guilherme Guinle e o engenheiro e arquiteto Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave para a construção de alguns dos mais importantes hospitais do Rio de Janeiro, o Hospital Gaffrée e Guinle, inaugurado em 1929. É o primeiro artigo da série Os arquitetos do Rio de Janeiro.

Porto d’Ave e a moderna arquitetura hospitalar

Cristiane d´Avila*

Em momentos de crises sanitárias como a que vivemos, nunca foi tão importante pensar nos hospitais. Se hoje assistimos à edificação emergencial desses prédios com normas específicas para atender aos casos de Covid-19, há cem anos já se observava os preceitos da bacteriologia ditando a moderna arquitetura hospitalar. No artigo “O Hospital Gaffrée e Guinle: filantropia, saúde e os ecos do pasteurianismo no Brasil da Primeira República”, a historiadora da Casa de Oswaldo Cruz, Gisele Sanglard, analisa o tema a partir do entrelaçamento de três personagens emblemáticos da história do Rio de Janeiro e da arquitetura em saúde: Carlos Chagas (1878-1934), médico sanitarista, Guilherme Guinle (1882-1960), empresário e mecenas; e Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave (1890-1952), engenheiro-arquiteto.

 

 

 

Acessando o link para as fotografias do Gaffrée e Guinle disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

De acordo com a historiadora, a construção do Hospital Gaffrée e Guinle teve triplo valor simbólico: para a medicina, o coroamento da saúde pública; para a filantropia, uma ação que renderia bons frutos à sociedade; para a arquitetura hospitalar, a adoção de uma estética própria associada ao que de mais moderno havia na época. “Guilherme Guinle investiu seu capital social e político, além de seus recursos financeiros, no apoio à ciência produzida em Manguinhos pela escola de Oswaldo Cruz. Ele era daqueles que acreditavam que a medicina pasteuriana tinha o poder de transformar a sociedade”, explica Sanglard na minuciosa e extensa pesquisa sobre o tema.

 

O início da parceria

 

 

 

A parceria entre Chagas, sucessor de Oswaldo Cruz na direção do Instituto Oswaldo Cruz (IOC) após o falecimento do cientista, em 1917, e a família Guinle datava do início do século. Em 1905, o médico foi indicado por Oswaldo Cruz para debelar os casos de malária no obra de construção da usina hidrelétrica em Itatinga (SP), que os sócios Eduardo Guinle (1846-1912) e Cândido Gaffré (1845-1919) construíam para o porto de Santos. O sucesso de Chagas na missão aproximou-o da família, já proeminente nos negócios de ferrovias, energia elétrica, portos e responsável por obras filantrópicas no Rio, Santos e Porto Alegre.

Anos depois, em 1919, Chagas promoveu uma ampla reforma na saúde, transformando a então Diretoria Geral de Saúde Pública (DGSP) em Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), tornando-se seu diretor. No ano seguinte (1920), Guilherme Guinle assumiu, após a morte do pai, os negócios da família. “A relação que se estabelecerá entre o médico e o jovem empresário mostra que Carlos Chagas continuou gozando do respeito da família – o que será traduzido nas ações de Guilherme Guinle financiando os projetos da Inspetoria de Profilaxia da Lepra e das Doenças Venéreas do DNSP, dirigida pelo médico Eduardo Rabello, e os projetos de saúde pública de Carlos Chagas”, explica Sanglard.

Os Guinle se notabilizaram pelo mecenato e a filantropia. Porém, as ações beneméritas dos sócios e de seus descendentes não se restringiram às artes e à cultura em geral. O amplo apoio deles às instituições científicas e de saúde pode ser classificado como próprio de um período em que investir na pesquisa médica era investir na tentativa de erradicação da miséria, que assolava a população urbana do Rio de Janeiro, então capital do Brasil.

No caso de Guilherme Guinle, ganha destaque a criação da Fundação Gaffrée e Guinle (1923) – para o controle da sífilis e de doenças venéreas, com a construção de um hospital e ambulatórios – e do Instituto de Pesquisa. O projeto do Hospital Gaffrée e Guinle, inaugurado em 1929, foi assinado pelo escritório do arquiteto brasileiro Porto d’Ave (Porto d’Ave & Haering), sob a fiscalização e orientação dos médicos Eduardo Rabello e Gilberto de Moura Costa. Já o Instituto de Pesquisa, cuja inauguração se deu em 1927, aliava pesquisa e assistência médica, seguindo o modelo do IOC e a ciência desenvolvida em Manguinhos.

 

O arquiteto e o projeto

 

 

Segundo informações do Fundo Porto d’Ave, sob a guarda do Departamento de Arquivo e Documentação da COC/Fiocruz, o engenheiro-arquiteto Adelstano Soares de Mattos Porto d’Ave nasceu em 6 de março de 1890 no Rio de Janeiro e faleceu em janeiro de 1952, na mesma cidade (Correio da Manhã, 22 de janeiro de 1952). Teve como sócio, ao menos no início, o alemão Kurt Haering. O escritório de ambos funcionava na rua Buenos Aires, 54, 2o andar, e Porto d’Ave estava registrado como construtor e Kurt Haering como engenheiro.

Por intermédio da família Guinle, elaborou projetos de três hospitais na cidade: o Gaffrée e Guinle, o Hospital e Instituto do Câncer e o Hospital das Clínicas Arthur Bernardes. A partir de então, consolidou seu nome como arquiteto de hospitais, tendo sido responsável pelo traçado de outros, como o Espanhol, o Regional de Niterói e o do Sanatório Santa Clara, em Campos do Jordão (SP).

 

 

Segundo Sanglard e Renato Gama-Rosa Costa, arquiteto e também pesquisador da COC/Fiocruz, o projeto do hospital, originalmente de Hugo Haering, sofreu adaptações propostas por Porto d’Ave, principalmente na linguagem arquitetônica. O hospital, elaborado para internar 320 pessoas, contava com prédio principal de quatro pavimentos. Nele funcionavam os serviços de Pronto-Socorro, Vias Urinárias, Ginecologia, Obstetrícia, Serviços Auxiliares ao Ambulatório do Hospital (laboratório, fisioterapia e raios X), Sífilis Visceral, Otorrinolaringologia e Oftalmologia, salas de cirurgia e Serviço de Mulheres Contagiantes. No campus foram projetados pavilhões especiais para abrigar o Instituto de Pesquisa, o Biotério, a capela consagrada à Nossa Senhora da Conceição do Brasil, a residência do diretor, as oficinas de conservação, o dormitório dos empregados e a lavanderia.

Do ponto de vista arquitetônico, o projeto do Hospital Gaffrée e Guinle foi considerado como moderno por uma série de características: a disposição das enfermarias, sua implantação no centro urbano, o uso dos elevadores, entre outras características. Porto d’Ave imprimiu à estética contornos neocoloniais, em voga na década de 1920 no Rio.

“A opção pelo estilo neocolonial também pode ser incluída neste rol (projeto moderno), uma vez que remete à valorização do elemento genuinamente nacional, bem como à noção de salvação do homem brasileiro, tão necessária para a construção da nação acalentada pelos intelectuais envolvidos no projeto”, completa Sanglard no artigo.

 

 

*Cristiane d’Avila é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

Em 29 de outubro de 2023, o título deste artigo foi alterado para Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” I – Porto d’Ave e a moderna arquitetura hospitalar.

Fontes:

SANGLARD, Gisele. “O Hospital Gaffrée e Guinle: filantropia, saúde e os ecos do pasteurianismo no Brasil da Primeira República”. In: A Modernidade na arquitetura hospitalar: contribuições para a historiografia – Volume 1\Ana M. G. Albano Amora e Renato Gama-Rosa Costa (Organizadores). Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em Arquitetura – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – PROARQ-FAU-UFRJ, 2019.

SANGLARD, G. e COSTA, R. da Gama-Rosa: “Direções e traçados da assistência hospitalar no Rio de Janeiro (1923-31)”. História, Ciências, Saúde. Manguinhos, vol. 11(1): 107-41, jan.-abr. 2004.

 

Outros artigos da série Os arquitetos do Rio de Janeiro

 

Série “Os arquitetos do Rio” II – No Dia Nacional da Saúde, o Desinfetório de Botafogo e um breve perfil do arquiteto português Luiz de Moraes Junior, responsável pelo projeto, de autoria de Cristiane d´Avila, Casa de Oswaldo Cruz, Fiocruz, em parceria com Andrea C. T. Wanderley, publicado em 5 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” III – O centenário do Copacabana Palace, quintessência do “glamour” carioca, e seu criador, o arquiteto francês Joseph Gire, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicado em 13 de agosto de 2023

Série “Os arquitetos do Rio de Janeiro” IV – Archimedes Memória (1893 – 1960), o último dos ecléticos, de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 1º de dezembro de 2023

Série “O Rio de Janeiro desaparecido XXVII e “Os arquitetos do Rio” V – O Jockey Club e o Derby Club, na Avenida Rio Branco e o arquiteto Heitor de Mello (1875 – 1920), de autoria de Andrea C. T. Wanderley, editora e pesquisadora do portal, publicada em 15 de janeiro de 2024

 

A Ilha Fiscal na Baía de Guanabara

A Brasiliana Fotográfica destaca seis imagens da Ilha Fiscal, uma das principais atrações turísticas do Rio de Janeiro, localizada na Baía de Guanabara. Foram produzidas pelos fotógrafos Jorge Kfuri (1893 – 1965)Juan Gutierrez ( c. 1860 – 1897) e Marc Ferrez (1843 – 1923). O registro de Kfuri é de 1916 e os de Ferrez e de Gutierrez das últimas duas décadas do século XIX.  O edifício da ilha, projeto do engenheiro Adolpho José Del Vecchio (1848 – 1927), foi inaugurado em 27 de abril de 1889.

Acessando o link para as fotografias da Ilha Fiscal disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Espécie de elo entre o passado e o presente, a Ilha Fiscal, que ocupa uma área de 7000 m2 e se distancia do continente por pouco mais de um quilômetro, notabilizou-se por ter sido o cenário do último baile do império, realizado em 9 de novembro de 1889, dias antes da Proclamação da República no Brasil, ocorrida em 15 de novembro de 1889. Na década de 1910, o domínio da Ilha Fiscal foi transferido do Ministério da Fazenda para a Marinha. Integra o Complexo Cultural da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica. A Ilha Fiscal foi tombada, em 1990, pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, e aberta à visitação pública em 1999.

 

 

A construção de um posto alfandegário para o controle de mercadorias comercializadas no porto do Rio de Janeiro foi solicitada pelo conselheiro João Antônio Saraiva (1823 – 1895), do Ministério da Fazenda, no século XIX, e a localização da, na época conhecida como Ilha dos Ratos, era ideal devido à proximidade aos pontos de fundeio dos navios mercantes estrangeiros que aportavam à Baía de Guanabara, na altura da atual Praça XV. Foi o imperador Pedro II que decidiu construir o prédio e que optou pelo estilo arquitetônico gótico-provençal, típico dos castelos franceses do século XIV e inspirado pelo trabalho do arquiteto francês Viollet-le-Duc (1814 – 1879). Durante a construção, fez frequentes visitas à ilha p.ara verificar o progresso dos trabalhos.

 

 

O projeto da edificação foi de Adolpho José Del Vecchio ( 1848 – 1927), então Engenheiro-Diretor de Obras do Ministério da Fazenda, e ganhou a Medalha de Ouro na Exposição da Academia Imperial de Belas Artes de 1890, tendo sido apresentado com a seguinte argumentação:

A construção planejada, tendo de ser levantada isoladamente em uma ilha, projetando-se sobre um fundo formado pela caprichosa Serra dos Órgãos, encimada por vasto horizonte, e de frente para a entrada da baía, devia causar impressão agradável aos que penetrassem no porto, suficientemente elevada para que pudesse facilmente ser vista de qualquer ponto entre a mastreação dos navios, e prestar-se ao mesmo tempo à fiscalização do ancoradouro.

Del Vecchio foi diretor de diversas outras obras de vulto como a das Docas Pedro II e da Praça do Comércio. Exerceu cargos importantes e recebeu diversas condecorações e prêmios nacionais e internacionais ao longo de sua carreira (O Paiz, 6 e 7 de junho de 1927, terceira coluna; Revista Brasileira de Engenharia, junho de 1927).

 

 

 

 

 

 

Em 6 de novembro de 1881, foi assentada a primeira pedra do edifício (Gazeta de Notícias, 7 de novembro de 1881, última coluna). No ano seguinte, del Vecchio foi condecorado como Oficial da Ordem da Rosa (Gazeta de Notícias, 26 de março de 1882, terceira coluna). O prédio da Ilha Fiscal foi inaugurado em 27 de abril de 1889 com a presença de Pedro II, do Conde d´Eu e de uma grande comitiva de ministros e autoridades. A elegante construção ocupa cerca de um terço da ilha medindo 68 metros de frente e 28 de fundos. Seu torreão tem 53 metros de altura ( Jornal do Commercio, 28 de abril de 1889, sexta coluna).

 

“A ilha é um delicado estojo, digno de uma brilhante joia”

Dom Pedro II

 

A Ilha Fiscal era abastecida de água e em sua torre havia um holofote cuja movimentação e potência permitiam uma melhor fiscalização de qualquer ponto do porto. Todas as salas eram iluminadas com lâmpadas elétricas e a ilha estava ligada à alfândega por uma linha telefônica, para a qual havia sido instalado um cabo submarino. Os trabalhos de cantaria foram realizados pelo comendador Antonio Rodrigues Teixeira, a construção e a montagem da agulha de ferro do corpo central por Manoel Joaquim Moreira & C., o mosaico da sala de honra por Moreira & Carvalho, a montagem do relógio pela firma Krussman & C, a colocação dos aparelhos elétricos pelo sr. Léon Rodde e os trabalhos de pintura pelo alemão Frederico Steckel (1834 – 1921). Os vitrais coloridos a fogo foram confeccionados com cristal inglês e mostravam o imperador Pedro II entre os brasões da Casa Imperial Brasileira e da Casa de Saxônia; e a princesa Isabel  entre os brasões da Casa Imperial Brasileira e a Casa de Orléans.

 

 

 

“Essa importante construção esteve sob a direção do engenheiro Adolpho José del Vecchio, diretor das obras do ministério da Faqzenda, que deu provas da maior atividade e zelo, muito concorrendo para dotar esta cidade com tão bem acabado e importante edifício”

(Revista de Engenharia, 14 de maio de 1889).

 

 

 

cardapiocapa

Capa do cardápio do Baile da Ilha Fiscal / Acervo Arquivo Nacional

Poucos meses depois, em 9 de novembro de 1889, foi realizado o evento pelo qual a Ilha Fiscal ficou mais conhecida: o último baile do Império do Brasil. Inicialmente marcado para o dia 19 de outubro, foi adiado devido à morte do rei Luís I de Portugal (1861 – 1889), sobrinho do imperador Pedro II (Gazeta de Notícias, 20 de outubro de 1889). A festa foi uma homenagem aos oficiais do cruzador chileno Almirante Cochrane, ancorado na Baía de Guanabara desde 11 de outubro de 1889, sob o comando de Constantino Bannen (1847 – 1899) (Gazeta de Notícias, 12 de outubro de 1889). Com o baile, que contou com as presenças de dom Pedro II, de dona Teresa Cristinada princesa Isabel e do Conde d´Eu , e para o qual foram distribuídos cerca de três mil convites, pretendia-se realizar uma celebração inesquecível para fortalecer a monarquia diante da ameaça republicana. Não funcionou: seis dias depois foi proclamada a República no Brasil (Gazeta de Notícias, 9 de novembro de 1889O Paiz, 10 de novembro de 1889Gazeta de Notícias, 11 de novembro de 1889Novidades, 11 de novembro de 1889, primeira colunaRevista Illustrada, 16 de novembro de 1889; e O Paiz, 16 de novembro de 1889, primeira coluna).

Em 1893,  a Ilha Fiscal sofreu avarias durante a Revolta da Armada, quando parte da esquadra brasileira rebelou-se contra o governo do Marechal Floriano Peixoto. Durante mais de seis meses, a ilha ficou no meio da artilharia travada entre as fortalezas da costa e os navios que se encontravam na Baía de Guanabara. Seus vitrais foram quebrados e suas paredes ficaram crivadas de balas de canhão.

Em 1913, foi autorizada pelo ministro da Fazenda, Rivadávia da Cunha Correia (1866 – 1920), a transferência do domínio da Ilha Fiscal do referido ministério para a Marinha em troca do vapor Andrada, proposta feita pelo almirante Alexandrino Faria de Alencar (1848 – 1926), então ministro da Marinha,  (O Paiz, 9 de setembro de 1913, quinta coluna7 de de outubro de 1913, quinta coluna; Correio da Manhã, 24 de janeiro de 1914, última coluna).

 

 

Finalmente, em janeiro de 1914, foi assinado o termo  que oficializou a troca entre a Ilha Fiscal e o vapor Andrada, que passaria a servir de alojamento aos guardas da Alfândega (Correio da Manhã, 27 de janeiro de 1914, terceira coluna).

 

 

A partir de 1914 (até 1983), a Ilha Fiscal abrigou a Repartição Hidrográfica da Marinha do Brasil, então denominada Superintendência de Navegação (O Século, 9 de janeiro de 1914, primeira coluna; Correio da Manhã, 30 de janeiro de 1914, última coluna; e O Paiz, 30 de janeiro de 1914, terceira coluna). Nos primeiros anos de ocupação, a Marinha refez a decoração interna e externa do prédio da Ilha Fiscal, restaurando sua beleza arquitetônica. Os vitrais com motivos monárquicos foram restaurados pela mesma firma inglesa que os tinha instalado originariamente.

Logo no início dos anos 1930, a Ilha Fiscal foi ligada à Ilha das Cobras através de um estreito molhe de pedra.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

CALDEIRA, Jorge. Viagem pela História do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. p. 222.

CARDOSO, Rafael. Uma introdução à história do design. São Paulo : Blucher, 2008.

CARVALHO, José Murilo. Pedro II: ser ou não ser. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

Dicionátio de Verbetes do Arquivo Geral da Cidade do Rio de Janeiro

DUNLOP, Charles. Rio Antigo, vol 3. Rio de Janeiro : Editora Rio Antigo, 1960.

GOMES, Laurentino. 1889. São Paulo : Globo Livros.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

SCHWARCZ, Lilia Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SILVA, Hélio. Nasce a República. São Paulo: Três, 1975.

Site Diretoria de Hidrografia e Navegação da Marinha

Site Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha

Site Inepac

Site O Rio de Janeiro

Site Receita Federal

Site Riotur

Trilhos sobre a floresta: imagens da construção da E.F. Madeira-Mamoré

Fotografias do dossiê “Madeira-Mamoré” do arquivo do sanitarista Belisário Penna (1868 – 1939), sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz, uma das instituições parceiras da Brasiliana Fotográfica, são o tema do artigo da jornalista Cristiane d’Avila. As fotos registram a obra de construção da estrada de ferro, iniciada em 1907 para ligar Porto Velho à Guajará-Mirim, do hospital e do cemitério da Candelária. O conjunto fotográfico aponta uma questão que inquieta arquivistas e pesquisadores: a autoria de fotos históricas. A partir do álbum fotográfico de Dana B. Merril, View of reviews or scenes as seen by Engineers, Tropical tourist, Global Trotters, Knights of fortune and Tramps: Madeira-Mamoré Ry. Brazil, South America, pertencente à Biblioteca Nacional, e da publicação aqui no portal do artigo A construção da Madeira-Mamoré, a “Ferrovia da Morte”, pelas lentes de Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?), de autoria de Andrea Wanderley, é possível indagar: seria Dana Merril o autor das fotografias em papel do arquivo de Belisário Penna?

 

Trilhos sobre a floresta: imagens da construção da E.F. Madeira-Mamoré

Cristiane d’Avila*

 

O arquivo de Belisário Augusto de Oliveira Penna (1868-1939), sob a guarda do Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, reúne cartas, relatórios, artigos e mapas, entre outros documentos referentes à vida pessoal e à trajetória profissional do sanitarista. O material inclui itens de tipologias distintas sobre as campanhas de saneamento rural empreendidas por ele e suas investigações científicas sobre eugenia. Dentre esses itens, dois em especial ganham destaque no arquivo: a série “Fotografias” e o dossiê “Madeira-Mamoré”, com 70 imagens sobre a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, no início do século XX (séries, subséries e dossiês compõem a nomenclatura da Arquivologia para a organização de arquivos históricos).
A relevância do material se justifica. As fotos registram a monumental obra de construção da estrada de ferro, iniciada em 1907 para ligar Porto Velho à Guajará-Mirim, cortando a floresta amazônica no estado de Rondônia. Para além da qualidade estética das imagens e dos modos de ocupação da floresta ali revelados, o conjunto fotográfico aponta uma questão que inquieta arquivistas e pesquisadores: a autoria de fotos históricas.

 

 

Acessando o link para as fotografias do dossiê Madeira-Mamoré do acervo da Fiocruz disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

As imagens do arquivo de Penna sobre a Ferrovia do Diabo – como ficou conhecida a estrada, em razão dos milhares de mortos por malária, beribéri e outras doenças tropicais durante a sua construção -, estão nesse rol de fotografias históricas de autoria não-identificada. Contudo, um arquivo sob a guarda da Biblioteca Nacional pode elucidar o mistério.

No artigo A construção da Madeira-Mamoré, a “Ferrovia da Morte”, pelas lentes de Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?) (1), a editora e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica, Andrea Wanderley, destaca o álbum fotográfico de Merril, View of reviews or scenes as seen by Engineers, Tropical tourist, Global Trotters, Knights of fortune and Tramps: Madeira-Mamoré Ry. Brazil, South America(2). A obra, totalmente digitalizada, revela cenas impressionantes da ocupação da floresta e da construção da Madeira-Mamoré. Segundo Wanderley, especula-se que ele produziu, aproximadamente, dois mil negativos de vidro sobre a ferrovia. A partir dessa informação, é possível indagar: seria Dana Merril o autor das fotografias em papel do arquivo de Belisário Penna?

 

 

Para o pesquisador do Departamento de Arquivo e Documentação da COC, Ricardo Augusto dos Santos, especialista em Belisário Penna (3), provavelmente sim. “Não podemos afirmar categoricamente, mas que outro fotógrafo iria estar naquele momento, naquela região?”. Faz sentido. Afinal, Merril havia sido contratado pelo empresário (também norte-americano) Percival Farquhar (1964-1953), para registrar a construção da ferrovia desde o início dos trabalhos, em 1907.

Acessando o link para as fotografias de autoria de Dana B. Merrill disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

Aqui vale destacar a trajetória de Farquhar no Brasil, em fase de intensa presença do capital norte-americano e europeu no país. Segundo o Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getulio Vargas (CPDOC), Farquhar iniciou suas atividades empresariais no Brasil em 1904, fundando a Rio de Janeiro Light & Power, companhia que assumiu concessões de serviços públicos de bondes, iluminação a gás e energia hidrelétrica.

Em 1905, começou a investir na Amazônia. Fundou a Brazil Railway Company (1906), a fim de construir um sistema ferroviário interligando a América do Sul. Em 1907, obteve a concessão para construir a Madeira-Mamoré. Para melhorar a navegação no rio Amazonas e, assim, aumentar a lucratividade do porto de Belém, administrado pela Port of Pará, da qual era proprietário, constituiu a Companhia de Navegação da Amazônia. Seu império no Brasil incluiu, além de ferrovias e portos, exploração de madeira, criação de gado e mineração, nos estados do Sul, Minas Gerais, São Paulo e região Norte (4).

 

 

Voltando ao arquivo fotográfico, Penna e Oswaldo Cruz prestaram consultoria a Farquhar para combater a malária na Madeira-Mamoré. Durante um mês, no ano de 1910, permaneceram em Porto Velho estudando as condições sanitárias na região e propuseram um plano para o combate à doença, que prescrevia o uso diário e compulsório de quinina, plano este plenamente aplicado por Farquhar. Inaugurada em 1912 com 364 quilômetros de extensão, a Ferrovia do Diabo ceifou a vida de um operário a cada dormente assentado, conforme se propagou na época, e foi sucateada até sua final desativação, em 1972.

Cruz e Belisário não testemunharam o fracasso do empreendimento majestoso, mas as 14 imagens selecionadas e disponibilizadas na Brasiliana Fotográfica registram o que provavelmente os olhos dos sanitaristas observaram: o avanço da engenharia humana sobre a opulenta floresta e os danos devastadores causados pelas doenças, como também as conquistas da ciência e das pesquisas biomédicas no processo de modernização do Brasil na Primeira República (1889-1930).

 

Mais sobre a ferrovia:

Com 364 quilômetros de extensão entre Porto Velho e Guarajá-Mirim, a Madeira-Mamoré foi inaugurada em 30 de abril de 1912. Sua rentabilidade logo seria abalada pela crise do principal produto de exportação da Amazônia, a borracha. Os seringais de Ceilão, Malásia, Sumatra, Java e Bornéus, organizados de maneira mais produtiva e racional pelos ingleses e holandeses, logo alcançaram o patamar brasileiro de produção. A ferrovia foi inaugurada no último ano em que a exportação brasileira de borracha superou a do Oriente. No mesmo ano a Madeira Mamoré Railway apresentou ao governo os custos finais da construção da ferrovia, em dinheiro e vidas. Dos 21.817 trabalhadores contratados, 1.552 morreram no Hospital da Candelária, excluindo-se dessa cifra os que tombaram ao longo da linha, os não contratados (tarefeiros) e aqueles que faleceram nos hospitais de Belém, Manaus ou mesmo em seus países de origem. Ferreira (2005, p.301, 302) estimou o total de mortos em 6.208 pessoas (5).

 

Notas:

1 – WANDERLEY, Andrea. A construção da Madeira-Mamoré, a “Ferrovia da Morte”, pelas lentes de Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?)publicado na Brasiliana Fotográfica em 16 de janeiro de 2018 - https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=10460

2 – View of reviews or scenes as seen by Engineers, Tropical tourist, Global Trotters, Knights of fortune and Tramps: Madeira-Mamoré Ry. Brazil, South America – http://objdigital.bn.br/objdigital2/acervo_digital/div_iconografia/icon596245/icon596245.pdf – Acervo da Biblioteca Nacional, uma das fundadoras da Brasiliana Fotográfica

3 – SANTOS, Ricardo Augusto dos. O sanitarista Belisário Penna (1868-1939), um dos protagonistas da história da saúde pública no Brasil, publicado na Brasiliana Fotográfica em 28 de setembro de 2018 – https://brasilianafotografica.bn.gov.br/?p=12777. Sobre Penna, ver também SANTOS,Ricardo Augusto dos. O Plano de Educação Higiênica de Belisário Santos – 1900 -1930Dynamis, 2012, vol. 32, nº 1 – pag 45-68. http://scielo.isciii.es/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0211-95362012000100003

4 – https://cpdoc.fgv.br/sites/default/files/verbetes/primeira-republica/FARQUHAR,%20Percival.pdf

5 – BENCHIMOL, Jaime Larry; SILVA. André Filipe Cândido da. Ferrovias, doenças e medicina tropical no Brasil da Primeira República. História, Ciências, Saúde – Manguinhos,  vol.15,  no.3, pág 719 – 762, julho/setembro de 2008 – http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-59702008000300009

 

*Cristiane d’Avila  é jornalista do Departamento de Arquivo e Documentação Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz

 

Fotografias idênticas no álbum de Dana Merril, do acervo da Biblioteca Nacional, e no arquivo de Belisário Penna,

do acervo da Casa de Oswaldo Cruz, disponíveis na Brasiliana Fotográfica

Andrea C. T. Wanderley**

 

Cemitério da Candelária

 

 

Farmácia

Thumbnail

Dana B. Merrill. [Construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré] : boticário, 1907/1912. Amazônia / Acervo Fundação Biblioteca Nacional

**Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora da Brasiliana Fotográfica

A construção da Madeira-Mamoré, a “Ferrovia da Morte”, pelas lentes de Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?)

O norte-americano Dana B. Merrill (c. 1887 – 19?) foi o autor da documentação da construção da ferrovia Madeira-Mamoré, na região da floresta Amazônica, no norte do Brasil, entre 1909, quando chegou ao país, até 1910, quando, acredita-se, que partiu. Especula-se que ele tenha produzido aproximadamente 2 mil negativos. Merrill foi contratado pelo engenheiro e empresário norte-americano Percival Farquhar (1864 – 1953) – que comandou a construção da ferrovia, entre Porto Velho e Guajará-Mirim, em Rondônia – para registrar o desenvolvimento da obra. Porém, Merrill foi além disso e, com suas lentes, registrou a vida dos trabalhadores da ferrovia, dos índios e de paisagens da região. Esse legado fotográfico é importante para a compreensão do desenvolvimento industrial e das relações de trabalho no país e do processo de ocupação da região Norte. Seus registros fazem parte do álbum View of reviews or scenes as seen by Engineers, Tropical tourist, Global Trotters, Knights of fortune and Tramps: Madeira-Mamoré Ry. Brazil, South America, que pertence ao acervo da Biblioteca Nacional, uma das fundadoras da Brasiliana Fotográfica.

 

 

Acessando o link para as fotografias de autoria de Dana B. Merrill disponíveis na Brasiliana Fotográfica, o leitor poderá magnificar as imagens e verificar todos os dados referentes a elas.

 

 

Milhares de trabalhadores morreram vitimados pela disenteria, pela malária e por outras doenças tropicais durante as obras da ferrovia, que tiveram início em agosto de 1907 (The Aldon Express, inverno de 2013). Devido a essas mortes, a Madeira-Mamoré ganhou o título de Ferrovia da Morte. Foi inaugurada em 1º de agosto de 1912 e desativada em  julho de 1972 (Alto Madeira, 11 de julho de 1981). Com 366 quilômetros de extensão, foi seguidamente sucateada até o início da década de 1980, quando, a partir de ações conjuntas do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) com a comunidade local, ressurgiu como ícone da força de Rondônia. Apesar de seu fracasso econômico e financeiro, a ferrovia foi fundamental na colonização deste estado. Em 2008, a Madeira-Mamoré foi tombada pelo Iphan.

 

 

Breve perfil de Dana B. Merrill  (c. 1887 – 19?) 

 

 

A documentação de obras de engenharia foi uma prática comum desde o início da história da fotografia. As ferrovias, um dos símbolos do progresso, foram bastante fotografadas. Portanto, a contratação de um fotógrafo pelos construtores da Madeira-Mamoré não foi uma novidade. Porém, nem sempre essas imagens constituíram um conjunto tão expressivo como o produzido por Merrill. Segundo o historiador e fotógrafo Pedro Ribeiro, isso deveu-se ao gênio do fotográfo.

 

 

Pouco se sabe até hoje sobre a vida de Dana B. Merril. Acredita-se que ele havia trabalhado, antes de vir para o Brasil, para a prefeitura de Nova York e que para lá teria voltado após fotografar a Madeira-Mamoré. Teria nascido em New Hampshire, servido, em torno de 1900, nas forças navais nas Filipinas e, em 1930, residia em Scarsdale, Westchester, no estado de Nova York com sua esposa, Laura, e um funcionário, Elli Peter. Na década de 30, trabalhou para a revista House & Garden. Fotografias produzidas por ele são vendidas pela Conde Nast Collection. Em torno de 1940, fotografou uma aula de figurino no Pratt Institute, em Nova York. Na Divisão de Arte, Impressos e Fotografias Miriam e Ira  D. Wallach: Coleção de Fotografias, da Biblioteca Pública de Nova York, encontra-se a Coleção Vistas da Estrada de Ferro Madeira e Mamoré – Amazonas & Mato Grosso, Brasil, S.A., com fotografias de autoria de Dana Merril.  Segundo a descrição feita da coleção, as fotografias evocam calor, perigo e trabalho pesado embora numa paisagem de mistério e grande beleza.

Segundo Pedro Ribeiro, Dana B. Merrill foi identificado como autor das fotografias da Madeira-Mamoré devido ao livro The Jungle Route, de Frank Kravigny, o escriturário sobrevivente da construção da ferrovia. Ainda de acordo com Ribeiro:

O equipamento fotográfico usado por Dana Merrill era praticamente o mesmo usado pela maioria dos profissionais de então. O formato 13 x 18 cm, considerado pequeno e leve para sua época, era o que mais se adequava às necessidades de deslocamentos freqüentes, por terrenos de difícil locomoção. Para os negativos, além de placas de vidro, mais comuns, Merrill adotou também o uso dos chassis do tipo film pack, que era uma novidade. Estes eram compostos por placas emulsionadas em bases flexíveis, bem mais leves que o vidro, acondicionadas em pacotes, geralmente de doze unidades. Esta opção permitia ao fotógrafo uma considerável economia de peso no equipamento e mais agilidade na troca das chapas. Contudo, a câmara usada continuava sendo aquela convencional, mais apropriada para a execução das documentações tradicionais, tomadas a média distância, rigorosamente enquadradas e privilegiando a pose, que de certa forma era induzida pelo uso compulsório do tripé‘.

 

 

Como já citado, as imagens produzidas por Dana B. Merrill presentes no acervo da Brasiliana Fotográfica estão no álbum View of reviews or scenes as seen by Engineers, Tropical tourist, Global Trotters, Knights of fortune and Tramps: Madeira-Mamoré Ry. Brazil, South America , disponível na Fundação Biblioteca Nacional (FBN), uma das fundadoras do portal. Além disso, a Coleção Percival Farquhar é custodiada na Divisões de Manuscrito da FBN e é composta por cerca de 2700 documentos manuscritos, fotografias, plantas e mapas, que cobrem as atividades empresariais e a vida pessoal de Farquhar na primeira metade do século XX.

Além da Madeira-Mamoré (The Brazilian Review, 18 de julho de 1911), o empresário Percival Farquhar foi responsável pelo arrendamento da ferrovia Sorocabana (Correio Paulistano, 17 de agosto de 1907, quarta coluna), pela criação da Sorocabana Railway Company (The Brazilian Review, 30 de julho de 1907) e pela construção do porto de Belém (Relatório do Ministério da Agricultura, 1907 The Brazilian Review, 27 de outubro de 1908), e pelo controle da Companhia de Estrada de Ferro São Paulo-Rio Grande (O Século, 28 de fevereiro de 1907, penúltima coluna), entre outros empreendimentos. Foi presidente da Rio de Janeiro Trampway Light Power Company (Almanaque Garnier, 1908) e fez parte da diretoria da Brazil Railways Company (The Brazilian Review, 15 de fevereiro de 1910). Segundo o New York Times, 22 de setembro de 1912, no artigo Two New Yorkers Try to ‘Harrimanize’ South America, o sonho de Farquhar era dominar todo o transporte ferroviário da América Latina. Ele nasceu em York, na Pensilvânia, em 1864, e faleceu em Nova York, em 4 de agosto de 1953. Uma curiosidade: Farquhar morou na cobertura do Edifíco Biarritz, uma das mais belas edificações art decó do Rio de Janeiro, no bairro do Flamengo.

 

 

 Um pouco da história da ferrovia Madeira-Mamoré

 

Devido ao alto preço da borracha no mercado mundial, a ocupação do Vale do Guaporé pelos portugueses levou a região do alto Madeira a Mamoré a intensificar a produção da colheita do látex. A ligação que ia do Mato Grosso ao Atlântico, através dos rios Guaporé, Mamoré, Madeira e Amazonas, era o percurso realizado no escoamento da produção comercial do Brasil e da Bolívia. A ideia de construir uma ferrovia surgiu em 1861, mas somente em 1877 é assinada Madeira – Mamoré Railway Co., um empreendimento incorporado pelos irmãos americanos Philips e Thomas Collins. Da Filadélfia, no ano de 1878, partiram engenheiros e demais trabalhadores junto com toneladas de máquinas, ferramentas e carvão mineral. Dada a insalubridade do local aliada à falta de alimentação, o único saldo positivo foi a construção de sete quilômetros de trilhos assentados. Vencidos pelas doenças e pela fome, foram poucos os trabalhadores que sobreviveram. A partir de janeiro de 1879, com a falência da empresa Collins decretada, não havia mais o que fazer. Com a assinatura do Tratado de Petrópolis em 17 de novembro de 1903 entre a Bolívia e o Brasil, o Estado do Acre, que à época se fazia uma região pertencente à Bolívia, formalizou-se incorporado ao território brasileiro. Com esse acordo, o Brasil pagou à Bolívia dois milhões de libras esterlinas, cedeu algumas terras do Amazonas e se comprometeu com a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, com o seu trajeto desde o porto de Santo Antônio, no rio Madeira, até Guajará-Mirim, no Mamoré, com um ramal chegando à Vila Bela, Bolívia, o que permitiria o uso de ambos os países com direito às mesmas franquias e tarifas. O Brasil ficava obrigado a construir a estrada de ferro no prazo máximo de quatro anos. Com a concorrência vendida ao americano Percival Farquhar, foi adotado o mesmo nome usado pelos irmãos Collins: Madeira Mamoré Railway Co.. Saíram de Nova York em 1907. A partir do ano de 1909, quando a ferrovia já contava com 74 km construídos, Dana Merrill, fotógrafo nova-iorquino oficial contratado pela Brazil Railway Company, desembarcou em Porto Velho onde começou os seus primeiros registros dos avanços e percalços no campo das obras ferroviárias. Especula-se a produção de 2 mil chapas em sua estada na Amazônia. Em meio a exemplares da fauna e flora, membros de populações indígenas são registrados em contato com os personagens da obra dominante. Seus registros como cronista do caminho do ferro seguem até o ano de 1910, quando se supõe que Merrill retorna para os Estados Unidos. Sem mais informações sobre a sua vida, Merrill foi revisto no reencontro dos sobreviventes da Exposição Mundial de Nova York, em 1939. A Estrada de Ferro Madeira – Mamoré estava inaugurada em 1912. No entanto a Bolívia, nesse ano, já chegava ao Pacífico por duas ferrovias e estava sendo concluída a sua ligação com o Atlântico, pela Argentina. O canal do Panamá estaria concluído dentro de três anos e, com isso, a Madeira – Mamoré só daria lucro nos dois primeiros anos de atividades, pois a produção ordenada dos seringais do Oriente fariam cair o preço da borracha no comércio internacional. Com a falência de Percival Farquar, os investidores ingleses e canadenses foram obrigados a assumir a administração da ferrovias, o que fizeram até o ano de 1931. Em 1937, Aluízio Pinheiro Ferreira, a mando de Getulio Vargas, assume a direção da ferrovia, que permaneceu em atividade até 1966. Depois de 54 anos de atividade, acumulando prejuízos durante esse tempo, Humberto de Alencar Castelo Branco determina a erradicação da Estrada de Ferro Madeira – Mamoré que seria substituída por uma rodovia. Atualmente, o que restou da ferrovia é um trecho recuperado que atinge a vila de Teotônio. Por falta de recursos para manutenção, o trem trafega apenas no primeiro trecho, mesmo assim, precariamente‘ (Site da Fundação Biblioteca Nacional).

 

 

Curiosidades

 

Uma curiosidade: na tentativa de conter o avanço das epidemias de malária entre os operários da Madeira-Mamoré, foram contratados, em 1910, pela Madeira Mamoré Railway Company, responsável pela construção da ferrovia, os médicos sanitaristas Belisário Penna (1868 – 1939), que trabalhava na Diretoria Geral de Saúde Pública e Oswaldo Cruz (1872-1917), do então Instituto Soroterápico Federal. Este último dá nome à Casa de Oswaldo Cruz / Fiocruz, uma das instituições parceiras do portal Brasiliana Fotográfica (Jornal do Commercio, 16 de julho de 1910, última coluna, e Agência Fiocruz de Notícias, 26 de janeiro de 2007).

 

 

Outra curiosidade: negativos de vidro e acetato de autoria de Merrill sobre a construção da ferrovia foram entregues ao jornalista Manoel Rodrigues Ferreira, em 1956, pelo repórter fotográfico Ari André, que os havia recebido do filho do engenheiro alemão Rodolfo Kesselring, que havia trabalhado na Madeira-Mamoré. Manoel Rodrigues Ferreira publicou 17 reportagens sobre o assunto no jornal A Gazeta. Após consultar os arquivos da Madeira-Mamoré, que seriam incinerados quando a ferrovia foi desativada, lançou, em 1959, pela editora Melhoramentos o livro A Ferrovia da Morte. A identificação da autoria dos negativos só foi possível, em 1962, quando Manoel conheceu o livro escrito por Frank Kravigny, The Jungle Route, de 1940.

Uma última curiosidade: após uma série de manifestações de entidades culturais contra o abandono da Madeira-Mamoré, o governo decidiu, em 1979, preservar um trecho de 25 quilômetros da ferrovia para uso turístico. O extinto Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Sphan –  atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan – solicitou a Manoel Rodrigues Ferreira o empréstimo dos negativos de autoria de Merrill para reproduzi-los. Os negativos foram, então, duplicados pelo fotógrafo alemão Hans Gunther Flieg (1923 -) que os entregou ao fotógrafo do Sphan, José Romeu Caccione. Esses 189 negativos pertencem ao acervo do Museu Paulista da USP.  A obra de Flieg, composta por cerca de 35 mil negativos em preto e branco, foi adquirida do próprio fotógrafo pelo IMS em julho de 2006.

 

Andrea C. T. Wanderley

Editora-assistente e pesquisadora do portal Brasiliana Fotográfica

 

Fontes:

Agência Fiocruz de Notícias

Catálogo da exposição Ferrovia Madeira-Mamoré: Trilhos e Sonhos – Fotografias. O fotógrafo Dana Merrill, de Pedro Ribeiro. BNDES e Museu Paulista da USP, 2002. Cortesia Carlos E. Campanhã.

Catálogo da exposição Ferrovia Madeira-Mamoré: Trilhos e Sonhos – Fotografias. A Coleção Dana Merrill: Momentos decisivos para sua recuperaçãode Silvia Maria do Espírito Santo. BNDES e Museu Paulista da USP, 2002. Cortesia Carlos E. Campanhã.

Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional

FERREIRA, Manoel Rodrigues. A ferrovia do diabo: história de uma estrada de ferro na Amazônia. 3ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1982.

GERODETTI, João Emilio; CORNEJO, Carlos. Railways of Brazil in Postcards and Souvenir Albums. São Paulo: Solaris Edições Culturais, 2015.

KRAVIGNY, Frank. The Jungle Route. Nova York: O. Tremaine Company, 1940.

NEELEMAN, Gary; NEELEMAN, Rose; DAVIS, Wade. Tracks in the Amazon. The Day-to-Day Life of the Workers on the Madeira-Mamoré Railroad. Utah: University of Utah Press, 2013.

Site Bowlers and High Collars

Site da BBC

Site da Enciclopédia Itaú Cultural

Site da Fundação Biblioteca Nacional

Site do CPDOC

Site do Iphan